quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Serei feliz assim?

Friamente habitar no teu corpo
ardente
quando tropeço no mar
absorto
morto
sem vontade de acordar

friamente os sorrisos da alvorada
como cinco gaivotas envenenadas pelos silêncios da noite
amadas sobre o divã invisível poisado no pavimento sem esquinas de luz
nos corredores da morte

friamente o Tejo me engole quando mergulho dentro dos lençóis da solidão
um barco é impossível
nas coxas de um cacilheiro em direcção ao Seixal
e entra em mim o cheiro suficiente para me fazer sonhar
há a possibilidade de eu acordar no solo lunar da margem Sul
sentado numa pedra a imaginar palavras nas ardósias do infinito

serei feliz assim?

Metade de mim xisto
e a outra metade
pequenos grãos de pólen
nos desejos das abelhas

serei amado?

Quando todas as portas se encerram friamente
no sono das estrelas preguiçosas
alegremente

assim?

Serei?

Quando tropeço no mar
e de uma rosa de papel
um beijo acorda
abraçado a fios de nylon...

(poema não revisto)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Desde que o mar deixou de visitar-me

Esqueci-me de acordar
e de abrir a janela da manhã
como sempre o faço
desde que o mar deixou de visitar-me
antes de nascer o sol
muito antes...
muito antes de todas as luzes da cidade se extinguirem nos alvéolos do cansaço
o fumo do meu cigarro
recomeça nas profundezas dos socalcos pregados aos cortinados da montanha
o rio vomita faiscas de palavras que ninguém lê
e que todos prendem ao horizonte desgovernado e invisível e doente
muitos antes
os milhões de fantasmas que dormem nas ruas da cidade inventada
com um rio inventado
com mares e barcos e velas
inventadas
nas mãos de um mendigo
eventualmente
ausente das tardes de insónia
como o amoníaco dentro das paredes de vidro
muito antes...
muito antes de eu ser um velho marinheiro
deambulando pelos trilhos dos oceanos de luz
ausentes
ausente na minha própria manhã
e de abrir a janela
como sempre o faço
e hoje
e hoje me esqueci
e hoje
e hoje fiquei sem manhã
como sempre o faço
e hoje
e hoje não tive forças para a abrir
e olhar
e olhar o silêncio da paixão...
nas flores do amor
dos sorriso de mar
que são os olhos da saudade.

(poema não revisto)

a seara incendiada pelo peso da luz

a peso da lua
quando o beijo invisível se mistura no luar
e os peixes voadores
em silêncios dispersos
há uma mão que balança dentro do cortinado do abismo
o medo subtrai-se à complexa matriz transposta
e que nas horas de vazio
submerge nos ziguezagues
da morte
a luz selvagem dos olhos que me odeiam
entre as flores pintadas no muro da escola
e as estrelas nos lábios das gaivotas adormecidas

(sinto-me cansado
de olhar o mar
sem ondas e sem sonhos
como uma seara incendiada pelo peso da luz)

morre o meu último barco que imaginei
construir na Baía de Luanda...

(poema não revisto)