domingo, 6 de agosto de 2023
Despedida
Um cigarro
meio-adormecido
Despede-se dos meus
lábios
Tal como eu
Que não me despeço
De nada
Mas que tudo
Se despede de mim,
Assim
Este cigarro permanecerá
eternamente nos meus lábios
Mesmo meio-adormecido
Meio-apagado
Meio-morto
Será sempre um cigarro
Um cigarro amado,
Um cigarro
meio-adormecido
Despede-se dos meus lábios
Rouba-me o colorido sol
E toda a pigmentação do
luar
Em despedida
Que deixa escapar a noite
Por uma pequena brecha
Uma fenda insignificante
Do meio-morto
Meio-adormecido
Ao meio-dia
Este cigarro
Amado
Querido
Por uma pequena brecha
Este cigarro prometido.
06/08/2023
Monstro
Acorda o monstro
Acorda o monstro insensível
Sem atitudes
Às vezes
Tantas vezes
O Tolo,
Dorme o Tolo
Enquanto um outro Tolo
Acorda
Veste-se de monstro
Sem atitudes
Sem nada
Às vezes
Tantas vezes
Sem madrugada,
Acorda o monstro
O Tolo monstro
Insensível
Desarrumado
Suspenso numa árvore
Também ela
Invisível
Como o Tolo
Do monstro,
Acorda o monstro
Adormece o Tolo
Depois o monstro
Pede ao Tolo
O silêncio e a solidão
Ergue-se então
O Tolo monstro
Quando o monstro
É o Tolo
E o Tolo
Nada mais de que um insensível
Desarrumado
Que voa sob os telhados
de vidro.
06/08/2023
sábado, 5 de agosto de 2023
Caderno
Cada folha que te escrevo
É uma página enganada
Que percebo
Com o levantar da aurora
boreal
Em cada folha que te
escrevo
É uma nova madrugada
Deste diário infernal
Cada folha que te escrevo
Poisa o sol nas folhas
caducas do silêncio
Que desce por esta parede
E se esconde na minha mão.
Cada folha que te escrevo
É um rio sem nome
Em direcção ao mar
De cada linha
Desta folha
Oiço os apitos do comboio
com destino a Santa Apolónia…
Em cada folha
A minha mão rasurada
Por uma esferográfica
E o rio morre
Como eu
Morro
Sabendo que cada folha
que te escrevo
É uma janela com
fotografia para o mar.
05/08/2023
Equação
Preso, neste edifício de cátedras,
Liberto, desta equação de
insónia,
Morto, neste silêncio de
luz,
Preso, nas tuas mãos,
Acordado, depois de cair
a noite,
Depois…
Ergo-me,
E mato-me nos teus olhos.
Preso, às negras sombras do
teu cabelo,
Medronho, pequena flor em
papel,
Morto, dentro desta
invisível caixa de sono,
Que me liberta,
Liberto, das pedras
cinzentas onde me sentava,
Quando preso,
Preso, e sem asas,
Afundo-me,
E morro.
05/08/2023
Entre palavras
Desenho nos teus lábios o
sono
Enquanto tenho a perfeita
consciência
Que este
É apenas o silêncio de
uma flor
Nas mãos de um rio,
Lindo e curvilíneo,
Desenho nos teus lábios
de sono
A inocência da noite
Quando depois de se despedir
do dia
Um poema
Uma cama em poesia
Levita e voa em direcção
à morte,
Desenho nos teus lábios
de sono
As quatro pedras da
tristeza
Na palavra amarga
Bela
Da palavra que se inventa
E brinca
Na palavra que nunca
lamenta
Que o sono que desenho
nos teus lábios
Seja um pedacinho de
pimenta
Ou apenas… o sol entre
palavras.
05/08/2023