terça-feira, 25 de julho de 2023

Sofrimento

 Sofre-se quando a vaidade é filosofia de vida

Sofre-se quando o homem

Quando o homem não tem filosofia de vida

Sofre-se tanto

Tanto

Que às vezes

Tantas vezes

Somos levados pelo vento

E no vento ficamos

E vento somos

No que nos transformamos

 

Sofre-se

Sofre-se tanto

Nesta vaidade

Com janelas floridas

Viradas para o nada

Do nada

As despedidas

 

Sofre-se

Tanto

Se sofre

E no entanto

Depois de sermos o vento

Deixamos de sofrer

E somos livres na despedida

E na vontade de morrer

 

Sofre-se

Tanto

Tanto se sofre

Enquanto a Terra não se cansa de girar

Enquanto os rios correm para o mar

Sofre-se tanto

Tanto se sofre

No sofrimento de sonhar

 

 

25/07/2023

Partida do Eduardo

 Acabo agora de saber do falecimento de Eduardo Pitta, escritor, poeta, critico e ensaísta.

Ao Jorge e família os meus sentidos pêsames pela perda.

Um dia, um dia lá estaremos todos…

Em busca do nada procurar

 Procuro sem saber o que procuro

Procuro sem saber se vou encontrar

Aquilo procuro

Procuro durante o dia

Procuro durante a noite

Procuro na poesia

Procuro

Sem saber o que procuro

Sem saber se vou encontrar

 

Procuro a vida

A morte

O que procuro eu

Daquilo que procuro

Que não sei o que procuro

E tão pouco

Se aquilo que procuro

Existe

Ou é apenas uma sombra

Ou uma imagem de mim

Recortada do dia de ontem

 

Procuro sem saber o que procurar

Procuro junto ao mar

E do mar não existe nada

Nada para eu procurar

 

Procuro nos olhos de alguém

Aquilo que procuro

Aquilo que não sei se existe

Ou onde possa procurar

Procuro no silêncio

Mas no silêncio não posso procurar

Aquilo que procuro

Aquilo que já procurei junto ao mar

Até nos olhos de alguém

Eu fui

Procurar

 

Mas afinal

O que procuro eu

Sem saber o que procuro

Sem saber se deva continuar a procurar

Ou desistir

Desistir de procurar

Aquilo que eu procurava

Aquilo que eu nunca encontrei

Nem junto ao mar

Tão pouco nos sonhos que sonhei

 

 

25/07/2023

Porquê

 Sinto tanto a tua falta

Pai.

Depois de partires

As pedras

As pedras pai

As pedras começaram a cair sobre nós

Defendo-me de um lado

Sou atacado do outro

Não percebo

Pai

Não entendo porquê eu.

 

Foi a mãe

Pai

Foi a mãe uma fotocópia tua

Dor

Dor

Tanta dor

Porquê

Pai.

 

E eu

Pai

E eu procurando qualquer coisa

Talvez Em Busca do Tempo Perdido

E nem Proust consegue me explicar

Porquê

Pai

Porquê.

 

Porquê

Eu.

 

Se sou feliz

Pai

Nunca

Nunca fui feliz

Pai.

Nunca.

 

 

25/07/2023

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Da noite teus olhos

 

Se morressem os teus olhos

Nunca mais haveria noite

Nem dia

Nem lua

Ou luar

Poema

Ou poesia

 

Se morressem os teus olhos

Nunca mais haveria Primavera

Gaivotas no mar

Crianças a brincar

Com um papagaio em papel

Se morressem os teus olhos

Não haveria vento

E o teu cabelo deixava de dançar

E o teu cabelo era apenas um momento

 

Se morressem os teus olhos

O silêncio era a solidão

E a solidão

Um pequeno abraço de silêncio

Se morressem os teus olhos

Não existiriam versos de amar

E versos de odiar

E de ser odiado

Enquanto os teus olhos morriam

E os meus olhos

Se suicidavam no mar

 

 

 

24/07/2023

Poema do desejo

 Às vezes

Às vezes penso em ti

E tantas vezes

Desejava abraçar-te novamente

Às vezes

Às vezes recordo-te quando dançavas sobre uma fina lâmina de alumínio

E ficava a olhar-te

E perdia-me nos teus braços

E perdia-me nos teus olhos

 

Às vezes

Às vezes eu desmaiava

Outras vezes

Em tantas vezes

Sonhava

Vomitava

 

Às vezes

Amava-te

E quando acordava a manhã em mim

Odiava-te

Às vezes

Às vezes esquecia-me de viver

De amar

Se ser

 

Às vezes

Às vezes apetecia-me beijar-te novamente

Pegar em ti

E dançar sobre o vento

Às vezes

Às vezes apetecia-me querer-te

Tanto

Mas depois

Começo a odiar-te

 

Às vezes

Às vezes penso

Penso

Se não seria melhor voltar a abraçar-te

Voltar a olhar os teus olhos

Beijar os teus lábios

E depois

Depois deitar-me junto ao mar

E esperar que o vento escreva em mim

O mais belo poema sobre o desejo.

 

 

 

24/07/2023

Do ausentado

 Neste resto de cidade

Onde as árvores brincam com o luar

E durante o dia

São palavras do mar

São palavras em poesia

 

Deste ausentado

Com quase nada na mão

Deste pobre poeta

E coitado

Em contramão

Que não sente

 

A vida

Pela sombra da tristeza

Desta cidade abandonada

Na dor e na paixão

E na beleza

 

Neste resto de cidade

Onde se perdeu o teu olhar

Não é a minha cidade

E nunca será o meu mar

 

E o tolo

Porque é tolo

Habita neste resto de cidade

Onde as árvores brincam com o luar

E o poeta ausentado

Suicida-se no mar.

 

 

 

24/07/2023