Estou muito desiludido contigo,
Mãe,
Lamento,
Estou muito
desiludido contigo.
Estou muito desiludido
contigo…
Estou muito desiludido
comigo…
Lamento…
Francisco
17/06/2023
Sem mim
De mim
Sem mim este baloiço se
suicida
Quando cair a noite
Junto ao rio
Sem min
Este baloiço de espuma
Que se despede a cada madrugada
Da outra madrugada
Este baloiço
No baloiço de nada…
Este baloiço de espuma
Sem nada
Entre mim
Da morte e outras coisas…
Que sorte
Se ele morresse
Se ele se matasse…
Sobre o baloiço da noite
Do baloiço da sorte
Enquanto a noite…
Baloiça nas mãos de Deus…
Sem mim
De mim
Outro baloiço
De corda ao pescoço…
No baloiço da morte
A sorte
De morrer…
Quando cair a noite junto
ao rio.
Francisco
16/06/2023
Deste barco de espuma
Da espuma que se revolta
E de porta em porta
De morte em morte
Desce sobre ti o sol
E ergue-se sobre mim
A morte
Dessa triste montanha
Onde tenho escondidas
todas as minhas palavras
Outras palavras
Outros medos
A morte brinca no límpido
pano da ausência
Ergue-se
Abre a porta da sala…
E a triste montanha
Na triste planície
Em ti do sol misericordioso
Neste barco
Deste barco me escondo
Enquanto do nada
Espero tudo
Quando o tudo…
Quando tudo deixou de ser
o nada
Hoje é o meu aniversário
Mais um ano
E do tudo
Regressa a mim o nada
Entre a morte
E a má-sorte
No forno do desejo
Nas coxas da madrugada
A tabela periódica
Ainda dorme
E certamente…
Dormirá…
Como dormem todas as
sílabas deste inferno
Que morre na escravidão
do sexo
Acorrentado a uma pequena
sombra…
Onde os gatos
O abraçam…
Teu barco de espuma
Enquanto o inferno
Morre
E da chuva acorda
A morte do tudo
Quando hoje é o nada.
Luís
16/06/2023
Se o Pacheco soubesse
Se o Pacheco soubesse
morria de inveja
A única diferença…
A única diferença é que nunca
me masturbei na casa de banho de um qualquer bar,
Numa qualquer cidade,
De um qualquer planeta do
nosso sistema solar,
Se o Pacheco soubesse…
Se o Pacheco soubesse
como é a minha vida…
Coitado
Morria de inveja,
Duas vezes por dia,
E uma pequena drageia ao
deitar…
Se o Pacheco soubesse
O quão é difícil viver
Vestir todos os círculos
da geometria
E quando ele se senta em
frente à nossa senhora…
Em vez de rezar…
Não...
Escreve poesia…
E ele,
Ele masturba-se numa
qualquer casa de banho de um qualquer bar desta pobre cidade…
A noite traz a sombra de
espuma deste barco de insónia
E se o Pacheco soubesse
Ou se ele sonhasse....
Não queria ser marinheiro
Doutor
Engenheiro…
Não...
Queria ser…
Masturbador de insectos,
Se o Pacheco soubesse
De todos estes gatos
anónimos
De todos estes cadáveres de
sono
Que não falam comigo
Que me ignoram…
Coitado do Pacheco
Não sabe
Não imagina
Que dentro de um pequeno
silêncio
Esconde-se a primeira
equação do destino,
Sei lá se o Pacheco
percebia de equações…
Eu,
Eu dou-lhe um pequeno
jeito…
Vou fazendo
Vou lançando sobre o mar
Tudo aquilo que o Pacheco…
Que o Pacheco deveria
saber,
Mas não,
Não sabe,
Não se interessa…
Nada.
Se o Pacheco soubesse
Como são tristes as
lâmpadas da minha vida
Como são distantes
Longínquas
Todas as estrelas…
Todas as estrelas da
minha vida…
Se o Pacheco soubesse!
Certamente morria de
inveja,
Certamente,
Nada de muito certo…
Morria de inveja…
Porque eu,
Porque eu ainda consigo
ser mais miserável de que o Pacheco,
Se o Pacheco soubesse…
Só não me masturbo na
casa de banho de um qualquer bar de uma qualquer cidade…
De todo,
De todo o sistema solar.
Francisco
16/06/2023
Somos tão poucos
Somos tão poucos aqueles
que pertencem ao destino
Sem destino
Tão poucos
Tão quase anda
Este pobre menino
Neste pobre destino
E sem madrugada.
Do quase anda
Ao quase tudo
Grita este menino
E desenha o mar…
Nos lábios da tristeza
Da tristeza
Deste menino…
Sem destino
Este pobre menino,
Tão quase nada
Tão quase tudo
Este pobre menino
Sem destino
Diga-se
Que foi quase tudo
Do pouco que podemos
considerar…
Tudo,
E hoje,
Hoje é um quase anda.
Somos tão poucos
Somos tão poucos aqueles
que pertencem ao destino
Sem destino
Tão poucos
Nos poucos de nada
Quando tudo
Quando tudo é uma maçada…
E é quase nada.
Francisco
16/06/2023
(aos meus pais)
Às vezes,
Às vezes não tínhamos
nada,
Às vezes…
Às vezes tínhamos tudo…
Tudo que até sobrava,
Às vezes olhávamos o sol
Outras vezes nem por
isso…
Mas éramos tão felizes,
Às vezes,
Às vezes me lamentava
E quase que chorava
E não acreditava…
E claro…
Sonhava,
Às vezes não comia
Outras vezes…
Comia pequeninas sombras
de nada
E inventava…
Meu Deus… tanta coisa que
eu inventava,
Mas a vida é assim,
Claro que sim…
Uns morrem…
Outros,
Outros tal como eu…
Voam…
E não se cansam de voar,
Sonham…
E não se cansam de
sonhar,
Aos mortos,
Que hei-de eu dizer aos
mortos…
Às vezes,
Sentia medo do silêncio
da minha casa,
Tantas vezes,
Tantas vezes… meu Deus…
Tantas vezes que eu
chorava…
E fingia
A cada novo dia...
Que sim…
Que estava tudo bem,
E claro que não…
Como poderia estar tudo
bem…
Se o meu pai tinha
morrido,
E a minha mãe…
Coitada da minha mãe…
Lutava,
Rezava…
E acreditava…
Que de cancro não morria
também,
E as minhas tantas vezes,
Aos poucos…
Começaram a ser menos
vezes…
(porque o poeta nunca
morre,
Mesmo que tenha fome)
E aqui estou eu…
O poeta,
O artista plástico,
Talvez um pouco de louco,
Talvez um pouco de nada…
E claro…
Quase engenheiro…
Como o meu pai gostava.
Do vosso filho,
Francisco
15/06/2023