sexta-feira, 19 de maio de 2023

Andorinhas em flor

 Voávamos e não sabíamos que voávamos,

Voávamos sobre uma cidade em lágrimas,

Sobre uma cidade que se escondia depois do pôr-do-sol…

Voávamos entre paredes,

Voávamos,

Voávamos entre janelas,

Voávamos nos olhos um do outro…

E esperávamos que regressassem as andorinhas em flor,

 

Voávamos de pensão em pensão,

De escadaria em escadaria,

Voávamos e não sabíamos que voávamos…

Voávamos de barco em barco e de mar em mar,

Voávamos nos lábios da saudade,

Voávamos nas mãos do luar…

Voávamos sobre uma cidade esquelética,

Uma cidade muito feia,

Uma cidade de engano,

E voávamos também nós…

Enganados,

 

Voávamos na primeira lágrima da manhã,

Voávamos no último sorriso da tarde,

E voávamos sem saber que voávamos,

E voávamos sem saber que as nossas asas…

Aos poucos,

Poucos…

Morriam depois de um poema declamado,

 

Voávamos na ausência do sono,

Voávamos nas palavras que eu te escrevia,

Voávamos enquanto alguém corria a cidade à nossa procura…

E nunca nos encontrava,

Voávamos, voávamos bem lato,

Voávamos sobre a copa das árvores,

Onde dormiam os pássaros que nos ensinaram a voar,

 

Voávamos durante o dia,

Voávamos durante a noite…

Voávamos à procura das estrelas que alguém lançou ao mar,

Voávamos,

Voávamos…

Voávamos enquanto o desejo nos consumia…

E continuávamos a voar,

E voávamos,

Voávamos entre janelas,

Voávamos nos olhos um do outro…

E esperávamos que regressassem as andorinhas em flor.

 

 

 

 

Alijó, 19/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Das tuas cores

 Todas as cores, meu amor,

Todas as cores são as tuas cores,

Todas as cores, das tuas cores,

Das cores que semeias nos meus olhos,

Sem cor,

Da cor,

Todas as cores, meu amor,

Todas as cores que pincelas em mim…

São as tuas cores,

São as cores do meu jardim.

 

Todas as cores, meu amor,

Todas as cores da paixão,

Quando das cores do desejo…

Recebo a madrugada,

Quando das tuas cores,

Nas cores, meu amor,

Todas as cores, das tuas cores…

Recebo esta pobre enxada

Que aos poucos se esconde na minha mão…

E fico sem as tuas cores,

E fico sem a janela do teu coração,

 

De todas as cores, as tuas cores,

Prefiro a cor beijo,

Todas as cores, meu amor,

Em todas as cores,

Das tuas cores…

As cores…

As tuas cores,

As minhas cores,

De todas as cores, meu amor…

Das cores que semeias nos meus olhos,

Sem cor,

Da cor,

Todas as cores, meu amor,

Todas as cores que pincelas em mim…

 

 

 

Alijó, 19/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Pedra da saudade

 Imagino-te sentada na pedra da saudade,

Imagino-te sentada na pedra da saudade com um livro na mão,

Imagino-te dento do meu peito,

Enquanto espero o regresso do mar,

Da janela, que abri para receber o mar,

Vejo-te sentada, sentada na pedra da saudade,

 

Imagino-te suspensa na insónia,

Imagino-te suspensa na insónia enquanto a noite me procura,

Enquanto a noite…

Enquanto a noite bate a todas as portas do silêncio,

E eu,

Escondido dentro de um círculo de luz,

 

Imagino-te à janela do desejo,

Quando a paixão te abraça…

Quando a paixão acorda,

Imagino-te à janela da paixão na ânsia de que uma estrela te abrace…

Como eu te abraço na escuridão do Universo,

Imagino-te em pequenos voos sobre a cidade… com o mar suspenso nos teus lábios,

 

E com o vento entrelaçado no teu cabelo,

Imagino a chuva,

Imagino-te a dançar sob a chuva…

Imagino-te sentada,

Sentada na pedra da saudade…

Apenas… sentada… apenas saudade.

 

 

 

Alijó, 19/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Sono pássaro

 Havia um pássaro,

Havia um pássaro que poisava no meu ombro,

Havia um pássaro, havia um pássaro sono,

Deste velho sono, sem sono…

Deste velho poeta,

Do poema sono,

Havia um pássaro,

Um pássaro sono,

Do sono pássaro…

 

E do pássaro sono,

Nasceram as palavras do poema,

Em sono,

Deste sono,

Sem sono…

 

Havia um pássaro,

Um pássaro sono,

Enquanto sono,

Deste sono,

Deste pássaro em sono,

Havia um pássaro que poisava nos meus ombros,

Do menino ombros,

Nos ombros do menino…

 

Havia um pássaro,

Um pássaro… meu amor…

Um pássaro sono,

Sem sono,

Havia um pássaro,

Um velho pássaro…

Deste menino sono,

Deste sono pássaro…

 

Havia um pássaro,

Um pássaro sono,

Deste sono pássaro…

No meu ombro,

Deste ombro pássaro,

Sobre mim,

Em ti…

Este pássaro sono,

Enquanto o sono,

Este sono…

Esconde-se no meu peito.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Janela do teu olhar

 Ponho-me à janela,

À janela da vida,

Desta vida,

Quando viva,

Viva esta vida,

Desta vida à janela,

Desta janela,

Da vida,

Em vida…

 

Ponho-me à janela,

Desta vida,

Enquanto viva,

Desta vida de mar,

No mar da vida,

Enquanto vida,

No mar…

Quando poisa o silêncio nas tuas mãos…

 

Ponho-me à janela,

Enquanto janela do teu olhar…

Na janela viva,

Que viva esta vida,

Ponho-me à janela,

Da janela da vida…

Ponho-me à janela do teu olhar,

Enquanto janela do teu olhar,

Da janela…

Enquanto vida,

A vida,

Por vezes…

Sem vida.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Meu amor dos teus olhos

 Deito-me nos teus olhos,

Teus doces olhos de mar,

Teus lábios de mel,

Nas mãos deste poema,

Deito-me, meu amor, nos teus olhos…

Quando nos teus olhos brincam as estrelas do silêncio,

Deito-me nos teus olhos,

Meu amor,

Enquanto dentro do mar

Perde-se o meu coração,

Deito-me nos teus olhos,

Meu amor,

Deito-me sabendo que o vento me leva…

Desta sanzala de desejo,

Deito-me, deito-me nos teus olhos,

Teus olhos de mar.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Palavras do silêncio

 Abraça-me,

Abraça-me noite incandescente

Dos lábios em luar,

Abraça-me,

Estrela cintilante…

Na boca do mar.

 

Abraça-me,

Insónia tempestade,

Abraça-me silêncio das palavras,

Dos poemas e da saudade,

Abraça-me enquanto estão vivas

As tristes madrugadas.

 

Abraça-me,

Mulher negra da minha terra de embondeiro,

Abraça-me,

Abraça-me meu destino peneirento…

Enquanto as árvores morrem

E choram junto ao ribeiro.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha