sábado, 15 de abril de 2023

A fogueira

 Em que penso

Em nada

Penso que gostava que todos aqueles objectos

Amontoado de coisas e loisas…

Literalmente na fogueira.

Penso na alegria

De me sentar numa pedra

Uma pedra simples

E sorrir

Enquanto tudo arde.

E penso que ainda te amo

Claro que ainda te amo…

O facto de teres partido

Nunca deixarei de te amar

Mas odeio tudo aquilo que te pertenceu.

Odeio olhar-te dentro de um caixilho

Nem sequer te olho e finjo que não te olho

Odeio todas as coisas que foram tuas

E também odeio as minhas coisas (todos os meus livros)…

E não faço nada do que me pediste…

E o que faço

Faço-o ao contrário daquilo que me pediste.

 

 

15/04/2023

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Abelha em flor

 Abraço-te

Nuvem de espuma

Flor sincera das manhãs em delírio

Abraço-te corpo pincelado em desejo…

Quando mergulhas nos meus olhos

E te misturas no meu daltonismo,

 

Abraço-te meu poema em construção

Palavra que lanço ao vento

Semente de beijo

Que os teus lábios acolhem…

Abraço-te

Na misera escuridão das minhas mãos…

 

Abraço-te

E acaricio-te como se fosses um livro

Uma página de mar

Um livro que leio

Um livro onde escrevo

Um livro em paixão,

 

Abraço-te

Sob todas as constelações do Universo

Criação de Deus

Que criou a mulher

Que criou o abraço

Abraço-te meu amor com o meu abraço…

 

Abraço-te

Nas primeiras páginas da manhã

Abraço-te quando dos lábios do pôr-do-sol…

Uma abelha em flor

Também ela

Te abraça… também ela… te abraça e deixa um pedacinho de mel nos teus doces lábios.

 

 

 

Alijó, 14/04/2023

Francisco Luís Fontinha

Partida

 Escondíamo-nos dos tristes candeeiros nocturnos

Quando a paixão espiava o acordar da noite,

Sabíamos que dentro daquele rio,

Envenenado até à foz,

Escondia-se o inferno de amar,

E cada palavra que semeávamos na árida terra de ninguém…

Uma gaivota de luz poisava-nos sobre os ombros estonteantes,

 

Éramos novos,

Passávamos a tarde a contar cacilheiros,

Linhas rectas traçadas no olhar…

E só acordávamos do outro lado do rio,

Quando ouvíamos os apitos em despedida…

A despedida,

A eterna despedida,

A ausência do corpo…

Quando o corpo pede o silêncio,

E da boca,

Chegava-nos o desejo…

E um longo beijo se erguia na alvorada,

 

Era triste o teu olhar,

Madrugada da simplicidade…

Eram tristes as manhãs junto às tuas mãos,

Quando do teu rosto,

As lágrimas se despediam da tua sombra,

 

Eram tristes as nossas tardes,

Como eram tristes todas as nossas bebedeiras e voos frenéticos junto ao mar…

Como ainda são tristes as tuas palavras,

Que escondo dentro de mim,

Como se pertencessem a uma lápide de luz…

Invisível,

Que apenas eu tenho acesso,

 

Eram tristes os poemas que te escrevia,

Como tristes se sentiam as minhas esferográficas…

Quando percebiam que te ia escrever,

E no entanto,

Escrevia-te…

Sem saber se junto ao rio,

O teu rosto de gaivota,

Ainda brinca com as crianças…

Ou se também ele já partiu,

 

Éramos tristes,

Éramos a ausência de uma cidade que constantemente vomitava silêncios…

E sempre que um de nós tombava no pavimento do medo,

Sentíamos a presença das estrelas que nos davam a mão…

E nos levantava…

Ora a mim,

Depois…

Depois,

 

Partiram todos os milhafres do nosso olhar,

Caravela quinhentista,

Gavião da minha tristeza,

Partiram todos…

Partiram sem se despedirem de nós…

Assim…

Como partem as andorinhas quando termina a Primavera,

Nunca se despedem,

Partem.

 

 

 

Alijó, 14/04/2023

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Desta cidade

 Procuro dentro deste sono adocicado

Com silêncio de uísque

E perfume de incenso

Os teus doces lábios de mar

Das marés junto aos rochedos.

 

Das barcaças que partem

E levam os corações partidos

Pedaços de açúcar

Pedacinhos de néon

Que dorme na cidade.

 

Desta velha cidade

Desta cidade envidraçada

Com espelhos e montras iluminadas

E do teu corpo

As minhas mãos acorrentam-se ao teu ventre.

 

Procuro nesta cidade

O doce sono salgado

Dos teus doces lábios de mel

A fina areia do Mussulo…

Quando um menino se despede do dia.

 

Procuro

Dentro

De ti

Procuro nas tuas coxas…

O silêncio da Primavera e o suspiro das árvores.

 

 

 

Alijó, 13/04/2023

Francisco Luís Fontinha

Lábios em poesia

 Meu amor

Das tórridas noites de insónia

Meu amor em equação

Que pertence à noite

Da noite tua mão.

 

Meu amor

Em flor alegre coração

Do mar ao rio

Aquela canção

Que sobre o teu peito poisa

Que o teu peito beija.

 

Lábios meus

Meu amor

Em teus lábios em poesia

Que me traz a alegria

Que me acorda o dia.

 

Meu amor

Das palavras semeadas

Das palavras embrulhadas

No teu clitóris…

Meu amor de veneno

Feitiço dos poemas em construção

Meu amor

Meu amor

Amor…

 

E se a noite te beijar…

Aceita-a tal como ela é

Beija-a também

Meu amor

Meu bebé.

 

 

Alijó, 13/04/2023

Francisco Luís Fontinha

Um amigo

 Peço ao vento

Um amigo

Um amigo que informe o outro senhor vento

Que não me traga mais vento

E se me trouxer mais vento

Que o faça com cuidado

Com carinho

E com amor de vento

Porque do vento que ainda me resta

Pouco vento

Algum vento

Sem lamento

E no entanto

Estou sempre sem vento.

 

Peço ao vento

Um amigo

Um amigo de vento

Quando do outro vento

Regressam as palavras do vento

E se virem o vento

Digam-lhe…

Que isto de andar pela cidade ao vento

Sem trazer na mão

O outro vento

Não é tempestade

É stressante.

 

Peço ao vento

Um amigo

E um outro pedaço de vento

Um amigo que não tenha pensamento

Assim como o vento

Porque o vento não pensa

Porque o vento não sente na cara…

Todo o outro vento.

 

Peço ao vento

Um amigo

Um cigarro de vento

E claro

O isqueiro resguardado do vento

Depois encerro a minha janela

Claro

Tudo por causa do maldito vento

Do vento

Que não entendo

Porque está sem tempo

O pobre do vento

Que não pensa

Que não tem pensamento

Um amigo

Um triste cigarro de vento

Enquanto isso

Do vento

Com vento

Este poema de vento e sempre às ordens do mestre vento.

 

Peço ao vento

Sei lá o que pedir ao vento

Chuva com vento

Sol sem vento

Pássaros enrolados no vento

Ou uma simples sandes de torresmos

E claro

Acompanhada com vento

Tinto.

 

Peço ao vento

Um amigo

Um amigo com muito vento

Um amigo entre tantos soltos no vento

E quando o vento mo trouxer

Que seja durante a noite

E que não esteja muito vento.

 

Um amigo

Um amigo de vento

Um amigo com as mãos no vento

E a cabeça no outro vento

Enquanto

Sem penso

E sem pensamento

Este amigo de vento

Este meu pobre amigo de vento

Que eu lamento

Foi-se com o vento.

 

 

Alijó, 13/04/2023

Francisco Luís Fontinha

O beijo

 Desenho nos teus seios

Meu amor

Um beijo de luz,

Escrevo nos teus seios

Meu amor

Um beijo de mar,

Beijo os teus seios

Meu amor

E deixo nos teus seios

Meu amor…

Um beijo de luz

Quando a noite se abraça ao luar

Quando da noite

Vêm a ti

Todas as estrelas

E todo o mar.

 

 

Alijó, 13/04/2023

Francisco Luís Fontinha