Já ninguém escreve
cartas. Já ninguém escreve cartas de amor, cartas perfumadas… papel com
corações, janelas que se abriam e só se encerravam depois da alvorada.
E enquanto escrevia
cartas, sentia no rosto os pingos da ausência, sentia no rosto as lágrimas
embalsamadas das cartas que escrevia, das cartas que guardava, já ninguém
escreve cartas, já ninguém… me envia cartas.
E às vezes, muitas vezes,
pergunto-me se recebesse cartas… o que faria eu?
Provavelmente, não as abria.
Enterrava-as junto ao
mar, ou muito mais simples, queimava-as antes de abrir.
Uma vez por semana,
esperava o regresso do carteiro, que me trazia uma carta perfumada, uma carta
escrita na alvorada, hoje, hoje já ninguém escreve cartas, já ninguém escreve
cartas de amor.
Cartas perfumadas. Papel com
corações desenhados, fotografias a preto e branco, um telefonema de dois em
dois dias… e claro, uma vez por semana, o amigo carteiro trazia-me cartas,
cartas perfumadas, cartas de uma ausência, a minha, quase sempre não as lia,
quase sempre as guardava na gaveta dos sonhos, por abrir; depois, dias depois,
quando eu regressava das minhas viagens à lua, abria-as todas, uma por uma, e
enganava a ressaca com as palavras de amor que recebia.
Ai as cartas, as cartas
perfumadas, as cartas da ausência, nas cartas onde me escondia, nas cartas onde
eu sabia que tinha um abraço, um beijo, um… quase nada.
Cartas.
As ausentes e as
remetidas, as cartas recebidas e expelidas contra o sono, e durante toda a
noite ouvia o ranger dos meus ossos, e durante a noite
Cartas, recebia cartas.
Aos ausentes, aos mortos
que ainda hoje, alguns, me enviam cartas.
Cartas perfumadas, cartas
de uma ausência enquanto a noite entrava em mim e sentia no meu corpo as
amarras do cansaço, e sentia no meu corpo o brotar das flores de aço e dos
pregos que aos poucos,
Das cartas em sono,
O meu regresso da lua.
Coitadas das cartas,
coitadas…
Hoje, hoje já ninguém
escreve cartas;
Cartas de amor.
Cartas perfumadas.
Francisco Luís Fontinha
12/04/2023