De todas as minhas telas
Nenhuma tem nome
Para quê dar o nome a uma
tela
Se ela é prisoneira de
uma parede
(nunca irá sair da
parede)
E mesmo as que tenho amontoadas
Encostadas à parede
Não possuem nome
(vou levá-las a passear
ao parque infantil?),
Menina Primavera
Não corra com pressa
Pode cair,
Ou
Menino orvalho
Se faz favor
Coma a sopa toda,
Ou
Sabe, infinito?
Sim, pai…
E o infinito nada sabe,
Portanto
Todas as minhas telas não
têm nome,
Eu
O artista
Que desenha
Que pinta
Que dou vida a todas
estas telas
Também como elas
Não queria ter nome,
Poderiam ter-me apelidado
De zero três um seis seis
nove oito sete (03166987)
RH mais
Nascido a dezoito de Maio
de mil novecentos e oitenta e sete
E falecido a nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito
Residente no primeiro
esquerdo
Porque no primeiro
direito vivia a velhinha
Que tinha dois cães
Três gatos
E a neta era trapezista
(par-time)
Num circo que costumava estar
estacionado junto ao Castelo,
E o zero três um seis
seis nove oito sete
Numa linda noite junto ao
Tejo
Estávamos em Julho
Enquanto a neta da
velhinha passeava um dos felinos
(penso que seria o
Alfredo)
Sentou-se à minha beira
(Primeiro pedindo sua licença)
E pediu-me que lhe
escrevesse um poema…
E disse-lhe
Olhe menina
Poemas não escrevo
Poemas leio-os
E quando estou
empanturrado
(gosto de escrever cartas
à lua)
(e quanto a poemas
costumo beber os de AL Berto e fumar os poemas de Cesariny),
Ela sorriu
Disse que eu era louco
(pois quem é que escreve
cartas à lua?)
E continuando a ser o zero
três um seis seis nove oito sete
(até nove de Agosto de
mil novecentos e oitenta e oito)
Comecei a vender os dias
Vendia-os na rua
Na feira da ladra
Por aí
Por aqui
Até que quando me dei
conta
Já não tinha os dias
E quanto às noites
(já estava empenhados em
algumas horas)
Quanto às noites foi um autêntico
desastre
Hoje diria um desastre
ecológico,
Sabe, infinito?
Sim, pai…
E o infinito nada sabe,
Porque o infinito nunca
quis saber de mim…
E eu
Diga-se
Também não
(só penso nele quando fumo
os poemas de Cesariny e bebo os poemas de AL Berto).
Alijó, 3/01/2023
Francisco Luís Fontinha
(zero três um seis seis
nove oito sete)