Da minha janela
Oiço as lágrimas do mar
E o sorriso dos pássaros,
Daquela árvore ensonada
Que poisou durante a
noite
Junto à minha janela
Vêm a mim a insónia
E a insónia traz na
algibeira o cofre dos sonhos
E não entendo porque a
insónia me quer dar sonhos
Se de sonhos estou eu
farto
E cansado
Cansado dos sonhos
Cansado do mar
E cansado do dia
Cansado dos pássaros,
Da minha janela
Já não vejo os barcos que
me entretinham
Nem oiço o vento que levava
as minhas palavras
E as semeava junto à
lápide dos sonhos,
Porque os sonhos morreram
Como morreram as minhas
árvores
Morreram as minhas
fotografias
Morreram os meus barcos,
Da minha janela
Oiço as lágrimas do mar
E o sorriso dos pássaros,
Mas este mar
O mar que vejo da minha
janela
Está tão triste
Tão feio…
Tão
Tão sem ninguém
Deixou de ter peixes
Deixou de ter barcos
Deixou de ter sonhos…
E nem uma alma se suicida
neste mar,
Ao menos
Aos menos alguém
Uma alma
Uma alma generosa que se
suicide neste mar
Como se suicidavam as almas
antigamente
Neste mar,
Deram-me um nome
Fui o resultado da resolução
da equação do desejo
(dizem que fui muito
desejado, talvez numa noite, dia, manhã, madrugada, de Março)
E fui o espermatozóide
mais rápido
O mais inteligente
Mais…
O mais capaz de entre os
milhões de espermatozóides do meu pai
E quando abracei o óvulo
da minha mãe foi-me dada uma medalha
Fiquei em primeiro lugar
na corrida
Como numa tarde qualquer
Numa corrida de cem
metros no Pinhão (era eu puto),
Registaram-me no registo
civil
Apelidaram de Francisco
Nome do meu avô paterno
Se tivessem escolhido o
nome do meu avô materno
Hoje chamava-me de
Domingos
(e aos Domingos estamos
encerrados, descanso de pessoal)
E eu detestava chamar-me
de Domingos
(desculpa avô, desculpa
pai, desculpa mãe),
Da minha janela
Oiço as lágrimas do mar
E o sorriso dos pássaros,
E ao longe
Os esqueletos da Calçada
da Ajuda
Que de ajuda nada tinha
Em marcha acelerada num
rectângulo de sono
A que chamaram de parada;
A parada das lágrimas do
mar.
Alijó, 03/01/2023
Francisco Luís Fontinha