Manuseia-se na cidade
Em busca das palavras
perdidas,
Ouve a voz da saudade
Nas palavras esquecidas.
Caminha até ao mar
Vestido de petroleiro,
Perde-se na cidade amar
Nas mãos de um
marinheiro.
Nas mãos de uma flor
desencantada
Passeia-se destemido,
Corre, corre, corre até à
esplanada,
Corre fingindo que está vivo.
Mas ele é apenas um
cadáver perdido,
Perdido sem motivo.
Do silêncio, às vezes
fingido, regressavam as palavras de amar, outras vezes, pensando que estava
perdido, tinha na mão a luz camuflada da paixão.
Um dia, ao final da
tarde, resolveu emparedar todas as janelas que davam para o mar, mesmo aquela
em que ele tinha a oportunidade de fugir; mas para que queria ele fugir, se
todos os dias acordava, se todos os dias vivia, vivia fingindo que acreditava,
acreditando no que fazia.
Corria fingindo que
estava vivo; ninguém acreditava se ele não o dissesse, pois transportava nas
mãos o desejo de voar, sabendo que apenas o poderia fazer quando regressasse a
noite.
Manuseava-se na cidade em
busca de equações de sono e correias e engrenagens, no fundo, procurava as
rodas dentadas da vida.
Acreditava, talvez já não
acredite, que a vida é uma enorme roda dentada, e que os seus dentes são a
saudade; a saudade de tudo e, de nada.
- Corre até ao mar!
Para quê, perguntava ele;
se o mar fica tão longe e, a saudade de nada, dorme na solidão da madrugada. Ouviam-se
os gemidos da feiticeira, entre rezas e sermões, desenhava nas estrelas buracos
negros e, com alguns iões, sabia que amanhã choveria, pois, os iões estavam
excitados e, pobre deles, porque ninguém fazia prever que estes acabariam sós,
dentro de quatro paredes.
E eis que ouviu a voz da
saudade. E eis que a saudade lhe segredou que regressaria todas as noites,
antes de ele adormecer; mas será que ele queria mesmo ouvir a voz da saudade?
- Diz-me tu, rapazinho…
Digo que: “uma correia é
um elemento mecânico flexível para transmissão de potência”. E como sempre,
nada está perdido. Tudo se apanha quando o homem acorda dentro de quatro
lençóis de sono, ao cair a tarde.
Rapazinho era ele, quando
o sentaram numa velha esplanada e o mar o levou para um Domingo, num mês de
Janeiro, precisamente às sete e trinta da manhã; até hoje, alimenta-se de
pequenas aparas, algumas brocas e defeituosos parafusos.
A vida poderia ser um
parafuso, alguém se dá ao trabalho de o enroscar até ao apero final: a morte.
E a morte é apenas uma
equação que quando igualada a zero, obtêm-se o único resultado possível; a
saudade.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 16/01/2022