terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Poema sofrido

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nas tuas lágrimas choradas,

Dentro do poema sofrido,

Habitam almas cansadas,

Cansadas por terem morrido.

 

Não chores

Enquanto sopra o vento,

Porque nesta triste cidade,

Vive um pobre mendigo,

Mendigo de verdade:

Triste, só e arrependido…

 

 

 

Alijó, 25/01/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 22 de janeiro de 2022

A sebenta


 

O teu corpo;

A sebenta onde adormeço o poema cansado,

Onde deito os beijos desejados,

Entre o espaço abraçado,

Entre os versos envenenados.

 

O teu corpo;

Engraçado,

Equação sem nome

E que brinca no caderno quadriculado,

No cansaço sem fome,

 

Do cansaço aguentado.

O teu corpo desejado

Que caminha sobre o mar,

É o teu corpo argamassado,

Argamassado nos poemas de amar.

 

 

Alijó, 22/01/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Os beijos versados

 

Aos beijos versados

Argamasso as palavras envenenadas no silêncio,

Escuto, sinto a tua voz melódica de incenso

Quando voa na ressurreição do desenho,

E nas catacumbas da solidão,

Vejo os teus lábios incinerados na madrugada,

 

Como se todos os pássaros fossem filhos de Deus.

Há na palavra

Uma oração cansada,

Distante de mim,

Distante da alvorada.

Aos beijos versados

 

Lanço as flores do meu jardim,

São flores em liberdade,

São pedaços de mim.

E o poema ergue-se como se erguem as vozes

Que chamam por Deus,

Ou que se revoltam contra Deus,

 

Como se Deus fosse o culpado,

Do poema estar envenenado,

Ou…

Os teus beijos

Sejam versados,

No espelho da paixão.

 

Aqui me sento sem prazer,

Lendo, escrevendo,

Ou em nada fazer.

Mas dizem que Deus está a ver,

Que nos olha como olhava por mim

A minha mãe, em viagem sem regresso…

 

Ao pó os teus pedaços ósseos

Na garganta do tumor,

E que esta viagem sem regresso

Seja apenas uma fotografia,

Recordação;

Nos beijos versados, o poema está vivo, vivo e em dor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/01/2022

domingo, 16 de janeiro de 2022

A saudade

 

Manuseia-se na cidade

Em busca das palavras perdidas,

Ouve a voz da saudade

Nas palavras esquecidas.

 

Caminha até ao mar

Vestido de petroleiro,

Perde-se na cidade amar

Nas mãos de um marinheiro.

 

Nas mãos de uma flor desencantada

Passeia-se destemido,

Corre, corre, corre até à esplanada,

 

Corre fingindo que está vivo.

Mas ele é apenas um cadáver perdido,

Perdido sem motivo.

 

 

Do silêncio, às vezes fingido, regressavam as palavras de amar, outras vezes, pensando que estava perdido, tinha na mão a luz camuflada da paixão.

Um dia, ao final da tarde, resolveu emparedar todas as janelas que davam para o mar, mesmo aquela em que ele tinha a oportunidade de fugir; mas para que queria ele fugir, se todos os dias acordava, se todos os dias vivia, vivia fingindo que acreditava, acreditando no que fazia.

Corria fingindo que estava vivo; ninguém acreditava se ele não o dissesse, pois transportava nas mãos o desejo de voar, sabendo que apenas o poderia fazer quando regressasse a noite.

Manuseava-se na cidade em busca de equações de sono e correias e engrenagens, no fundo, procurava as rodas dentadas da vida.

Acreditava, talvez já não acredite, que a vida é uma enorme roda dentada, e que os seus dentes são a saudade; a saudade de tudo e, de nada.

- Corre até ao mar!

Para quê, perguntava ele; se o mar fica tão longe e, a saudade de nada, dorme na solidão da madrugada. Ouviam-se os gemidos da feiticeira, entre rezas e sermões, desenhava nas estrelas buracos negros e, com alguns iões, sabia que amanhã choveria, pois, os iões estavam excitados e, pobre deles, porque ninguém fazia prever que estes acabariam sós, dentro de quatro paredes.

E eis que ouviu a voz da saudade. E eis que a saudade lhe segredou que regressaria todas as noites, antes de ele adormecer; mas será que ele queria mesmo ouvir a voz da saudade?

- Diz-me tu, rapazinho…

Digo que: “uma correia é um elemento mecânico flexível para transmissão de potência”. E como sempre, nada está perdido. Tudo se apanha quando o homem acorda dentro de quatro lençóis de sono, ao cair a tarde.

Rapazinho era ele, quando o sentaram numa velha esplanada e o mar o levou para um Domingo, num mês de Janeiro, precisamente às sete e trinta da manhã; até hoje, alimenta-se de pequenas aparas, algumas brocas e defeituosos parafusos.

A vida poderia ser um parafuso, alguém se dá ao trabalho de o enroscar até ao apero final: a morte.

E a morte é apenas uma equação que quando igualada a zero, obtêm-se o único resultado possível; a saudade.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/01/2022

sábado, 15 de janeiro de 2022

Os barcos de brincar

 

Imagino-te o centro do meu sistema solar. Oiço-te dançando na praia à procura das minhas palavras, o incêndio silêncio da tua presença às conversas suspensas na alvorada, levantavas-te da cama, acendes um cigarro e, sob o sol solidão de mais um dia, acorda a primeira Primavera; assim sendo, elimino todas as janelas desta casa sem comandante, navegando na brisa madrugada.

Temos flores lápides voando dentro de nós, padecemos dos uivos gritos da coruja que na noite inferno, quase sempre, transforma todas as sílabas em pequeninas migalhas de pão, caso contrário, levanta-se o uivo grito da insónia, como sempre, que atravessa as portadas onde nos escondemos até aparecer em nós o mar.

Os barcos regressavam a mim todos os santos Domingos, puxava-o pela mão como quem puxa um pequeno brinquedo, e ele, feliz, corria para me acompanhar;

- Tão grande, pai!

Os barcos eram construídos em cartolina a fingir e cheiravam a nafta.

- Senti esse cheiro durante dozes dias e doze noites, sem dormir.

E eu tinha de erguer o pescoço até ao Céu para escrever com o olhar as lágrimas de um qualquer soldado perdido entre o capim e os mabecos; diziam que durante a noite se vestia de mulher e era visto e observado num qualquer bar da cidade.

Descia o cacimbo sobre nós. Prendia-lhe a mão com a minha mão, e como sempre, ele sentia a alegria e a felicidade porque eu começava a desenhar barcos na areia do Mussulo; horas depois, erguia-me entre a fina areia e mergulhava na sombra do medo, quando o medo ainda habitava dentro de mim.

- Tão grande, pai!

Oiço-te dançando na praia à procura das minhas palavras, o incêndio silêncio da tua presença às conversas suspensas na alvorada, levantavas-te da cama, acendes um cigarro e, sob o sol solidão de mais um dia, pareço o Tejo em pequenos vómitos.

Disseram-me que morreu no silêncio, como sempre, morre-se no silêncio daqueles que amamos. Trazia na algibeira as palavras da despedida e, sem dizer nada, virou a cabeça em direcção ao mar e, partiu.

Voou até ao infinito.

- Morre-se de quê, pai?

Da saudade ao cabaré eram apenas dois quarteirões de metros lineares, que de vez em quando, dançavam como dançam as sombras que me acompanham; voou até ao infinito como voam todos os pássaros cansados. Diziam que ele tinha nascido dentro de um cubo de vidro, onde juntamente com ele, outros cubos de vidro brincavam às escondidas, como brincam as sombras que me acompanham.

Como morrem as sombras que me acompanham.

Imagino-te o centro do meu sistema solar. Oiço-te dançando na praia à procura das minhas palavras, como procuram todas as sombras que me acompanham.

- Vive-se de quê, pai?

Da saudade ao cabaré eram apenas dois quarteirões de metros lineares e, percebo agora que só morrem os pássaros cansados, como vão morrer todas as sombras que me acompanham. Sós.

- Tão grande, pai!

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/01/2022

Verso canção

 

Esse corpo embalsamado

Que deslisa na minha mão

É verso cantado

É verso canção.

 

Esse corpo em mim deitado

Flor do campo em construção

É o verso cansado

Cansado de minha mão.

 

Cansado do meu verso cantado

Que sobe a montanha da poesia

Cansado na cama deitado,

 

Deitado e em revolução.

É esse corpo embalsamado que eu sentia

Quando resolvo esta equação.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/01/2022

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Os uivos apitos da saudade

 

Deixei de escrever

Nos lábios da floresta.

Dos pássaros,

Regressam a mim

Os uivos apitos da saudade,

Como se eu fosse uma rocha indomável,

 

Disperso na manhã deserta das gaivotas.

Sei que há nas palavras

Verdadeiras equações de sono,

Versos invisíveis

Que durante a noite se transformam em sílabas,

No poema envenenado.

 

Deixei de escrever

Nos lábios amargos da floresta,

Os beijos nocturnos da insónia;

- Adoráveis submundos nas engrenagens da vida,

Ama-se. Mata-se.

Como se a vaidade fosse um pressuposto

 

Infinito do homem.

Ama-se e inverte-se a claridade lunar,

(e caso seja possível)

Ergue-se na humidade do silêncio,

Entre beijos

E abraços aprisionados.

 

Almoça o sono

Uma sanduiche de medo,

Na companhia dos beijos alicerçados à montanha do Adeus…

Ergue-se de mim e, deita-se na sombra tristeza da cidade,

Todos os automóveis e todas as rodas dentadas do passado,

Morrem de tédio; quantos aos pássaros,

 

Construídos em papel,

Dançam as cantigas desta triste caligrafia,

Que sublime e infinita,

Foge em direcção ao rio.

Deixei de escrever

Nos lábios da floresta,

 

E começo a guardar retractos de sombras,

Que a memória vai apagando,

Dia após dia,

Noite após noite;

E assim, vivo neste habitáculo de espuma,

Esperando que dos pássaros regressem a mim os uivos apitos da saudade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13/01/2022