sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Espelho do cansaço


Gosto,
Do teu perfume impregnado nas palavras do poema,
Quando o mar me chama,
Quando a maré me leva.
Gosto,
Do silêncio teu corpo,
Em delírio,
Dentro de uma cabana.
Gosto,
Dos livros que leio,
Das mãos que me acariciam,
E a madrugada ainda vem longe.
Gosto,
Do apito do petroleiro,
Fundeado nos teus seios,
Derramando gotículas de saliva…
Gosto,
E adoro,
Do significado transparente da tua sombra,
Quando o mar está bravo,
Quando o mar se veste de tempestade…
E morre com a saudade.
Gosto,
Da solidão das tuas mãos,
Porque, meu amor,
Gostar,
Pertence aos poetas,
Escritores,
Pintores…
Gosto,
De todos aqueles que amam,
Sofrem…
E sorriem,
Em frente ao espelho do cansaço.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
3/01/2020

sábado, 28 de dezembro de 2019

Viagem


Alimento-me de sombras ensonadas.
Sou um sem-abrigo,
Esquecido na sanzala,
Perdido nas madrugadas.
Sou um livro,
Cansado das palavras,
Sou poesia,
Nas mãos da alegria,
Que vem travestida de tristeza,
Entre rochedos
E beleza.
Sou uma perda de sonhar,
Uma lápide por pintar,
Sou o mar.
Sou a flor dos sorrisos abandonados,
Sou sem-abrigo,
Dos socalcos cansados.
E além-mar,
A triste nuvem de abraçar.
Canso-me da noite,
Vivo ferozmente a noite…
E não tenho medo da morte,
Porque sem sorte,
Não conseguem me assassinar…
Porque o meu corpo é ferrugem,
Viagem,
Cansaço de embalar,
Não,
Não vou morrer,
Antes de te beijar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
28/12/2019

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Tejo


Sou um petroleiro fundeado nos teus braços,
Meu Tejo dos cansaços.
Sou um petroleiro em combustão,
Nas manhãs de nevoeiro,
Sou a fogueira da madrugada.
Sou um petroleiro,
Cansado da geada,
E do cacimbo da tua mão.
Sou um petroleiro esfomeado,
Passeando no deserto tua canção.
Sou um petroleiro avariado,
Nos rochedos da solidão.
Sou um petroleiro vagabundo,
Imundo.
Sou um petroleiro sem comandante,
Que Às vezes vai ao fundo.
Que Às vezes, sente.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
27/12/2019

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O orgasmo da saudade


Não sei o que te dizer, meu amor. As esplanadas estão recheadas de vampiros, vestidos de branco, ao longe sinto o vapor da saudade, vem em minha direcção, como um foguete, no Verão, nas festas de aldeia.
Não, não sei o que te dizer, meu amor. Apenas que está frio, que todos os meus livros, que são muitos, resolveram apedrejarem-me, por tudo ou por nada, eu não fiz nada;
As serpentes, meu filho.
Não o sei, mãe. Nunca soube porque foste embora, como a Primavera, quando parte e nada diz às andorinhas que vai partir.
As serpentes, meu filho…
Que têm as serpentes, mãe?
O vento trouxe a morte, depois o vento trouxe a solidão, dos dias, das noites, das madrugadas sem dormir…
E tu, sorridente para mim; pareces feliz!
Eu não percebo porque o vento é assim,
Assim, como, meu filho?
Assim, triste, furioso, malandro, quando corre para mim, e sei que foi ele que te levou para longe, para junto das montanhas, o amanhecer é sempre triste, como todas as manhãs ao acordar, percebes?
Não, não percebo.
E depois regressa a cegueira dos homens, também eles, como os vampiros, vestidos de branco. Vem de lá o orgasmo da saudade, traz dentro dele a tristeza da poesia envenenada pelo Cacimbo, o capim esconde-se no meu peito, um papagaio em papel, construído por ti, valentemente me abraça; acredita, mãe, não é fácil abraçarem-me, principalmente durante a noite, tenho medo das sombras do teu sorriso, quando reparo no pavimento as tuas lágrimas de despedida, como hoje, como ontem, a alvorada engana-se nas horas, acorda, acorda-me e morre, como tu.
E morre como tu.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
25/12/2019