quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

O só menino


O só menino

Comtemplando o rio,

Desenha socalcos na palma da mão,

Escreve poemas no coração,

O só menino

Não sabe chorar,

Dorme quando cai a noite e deixa-se absorver pelo ténue luar

E não conhece a escuridão,

O só menino

Sempre abraçado à fome da solidão,

Inventa gaivotas e tem no olhar

A penumbra madrugada,

E tem no peito,

O beijo

Do amanhecer,

Sem o saber

(Escreve poemas no coração),

Grita. Eu quero o mar.

E o mar vem a ele,

E leva-o,

E leva-o para outro lugar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 7 de Janeiro de 2016

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Indigente


Sou um indigente conformado

Filho da noite quando a noite é noite

E do vento

Quando o vento é vento

Sou a palavra

Sou a jangada

Sou o esqueleto sem medo

Que habita numa calçada

Invisível

Apelidada de saudade

Sou um indigente saudável

Diplomado em perfumaria

Canso-me com a alegria

E choro com a melancolia

Sou triste

Aparente

Indigente

Agreste

Comestível às primeiras horas da manhã

Sou um indigente conformado

Sou gente

Que sente

O luar aprisionado

Num qualquer olhar

Numa qualquer cidade apilhada de fantasmas…

Sou um indigente

E sou homem do mar

Quando o mar era mar

E me trouxe

E eu vim

Vim aqui parar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 5 de Janeiro de 2016

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Como se fôssemos duas caravelas à deriva na rua de uma qualquer cidade


Como se fôssemos duas caravelas à deriva na rua de uma qualquer cidade

Andávamos de maré em maré

De amarra em amarra

De luar em luar

Sem percebermos que o abismo habitava nas nossas algibeiras ténues

Sem nada para oferecermos

Como um circo ambulante

Como nós

De terra em terra

Palmilhando areias nunca antes desenhadas

Por duas crianças

Em busca do pôr-do-sol,

 

Veio a loucura

A paixão

O nocturno desejo dos pássaros…

E a morte das palavras na lápide da solidão,

 

Sou um corvo que nunca aprendeu a voar

Detesto putrefacção

Sou esquisito

Na alimentação

Gosto de cereais

Pequenas sementes

E pedacinhos de pão…

Como se fôssemos duas caravelas à deriva na rua de uma qualquer cidade

Não precisávamos de um rio

Mar

Ou o vento para abraçar as velas

Que se esconde na poja.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 4 de Janeiro de 2016

domingo, 3 de janeiro de 2016

Poema do cansaço


Cansei-me da vida

Cansei-me do amor

Do dia em despedida

Nas mãos de uma flor

 

Cansei-me de ser eu

Sempre o alpendre nocturno do adeus

Cansei-me das cidades de vidro

E dos Céus

Cansei-me do silêncio em pergaminho teu

Os dias enforcados na penumbra maré

Os dias prometidos

Mortos

Todos

Fodidos…

Em marcha a ré

Cansei-me de mim

Cansei-me de ti

Cansei-me deles

E cansei-me deste vadio jardim

Sem Fé

Quando aqueles…

Aqueles bichos alimentando-se do desejo

Se confundem com a madrugada

Assim

Assim nada feito

Fico sem perceber se amo

Fico sem perceber se sou amado

E percebo que amanhã é segunda-feira

Dia de trabalho

Escrever

Dormir

Dar uma volta ao caralho

Não o sei

E nunca o soube

Sei que tenho atrozes

Reumatismo

E quase cinquenta anos

Do dia da despedida

A despedida

Amo-te

Até amanhã

E adeus à Pátria…

Fodi-me

Foderam-me

Sou um poeta enrabado

Sou um poeta cansado

No poema

Do poema

O poema do cansaço.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 3 de Janeiro de 2016

sábado, 2 de janeiro de 2016

No chão, a desgraça manhã confundindo o corpo com o pequeno-almoço, a sinfonia da saudade,

Não serei o teu escravo, o sevo da desilusão, o menino mimado encalhado na solidão, não o serei, meu querido, poeta bandido, homem da corrente de aço, Cacilheiro perdido no Tejo quando a neblina se entranha no chão
Amanhã, meu amor, amanhã haverá madrugada,
No chão, as mortíferas cancelas do sofrimento, amanhã não acordarei para te beijar, os beijos, o jantar… não existem neste corpo, e brincam, e sofrem, e brincam como crianças esfomeadas pelo cansaço da brincadeira, a ténue Primavera, as andorinhas em papel penduradas nos atorges gonzos da memória, sinto-o, a tua presença
Entranhadas no chão, recheadas de amendoeiras em flor, palavras e cor...
No chão, a desgraça manhã confundindo o corpo com o pequeno-almoço, a sinfonia da saudade,
Palavras e cor… momentos desrizes e condomínios encerrados para obras, o pavimento encarnado na saudade, o mesmo corpo de há pouco… esbelto cacifo nas constantes avenidas do madrugar, a cidade em morte, a cidade da morte, não há transeuntes, não há camuflados apeadeiros das manhãs embriagadas pelo sono, a sinfonia da saudade
Não serei o teu escravo, o sevo da desilusão, o menino mimado encalhado na solidão, não o serei, meu querido, poeta bandido, homem da corrente de aço, Cacilheiro perdido no Tejo quando a neblina se entranha no chão, a sinfonia da saudade, o abismo mosquito saboreando a noite recheada de abelhas e estrelas, de estrelas e abelhas, mosquitos apavorados, e corpos comidos por velhos mosquitos, o sono empoleirado sobre o castanheiro da aldeia,
Palavras e cor… momentos desrizes e condomínios encerrados para obras, o pavimento encarnado na saudade, o mesmo corpo de há pouco… esbelto cacifo nas constantes avenidas do madrugar, a cidade em morte, a cidade da morte, não há transeuntes, não há camuflados apeadeiros das manhãs embriagadas pelo sono, a sinfonia da saudade
Da aldeia dos sonâmbulos corpos de cera, a oração sempre na ponta da língua, o insignificante orgasmo literário de mão atadas a um blogue, a noite escura, a escura maldição nos confins do alarmismo, sempre, regressam os candeeiros da alvorada
E corpos comidos por velhos mosquitos, o sono empoleirado sobre o castanheiro da aldeia, o sino da igreja vestido de sentinela, os foguetes, a raiva, e o sofrimento da medusa escuridão dos musseques fotografados pelo olhar,
Os candeeiros da alvorada… mortos… término.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
sábado, 2 de Janeiro de 2016

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Palavras em papel e palavras de papel


Os dias contados

Como cêntimos embalsamados na mão do cansaço

A triste avenida despida

Descendo a Calçada rumo ao infinito rochedo do medo

O calendário suspenso na parede triste da cozinha

Anunciando palavras em papel

E palavras de papel

Sozinha

A avenida empolgada

Iluminada

Que nem eu consigo encontrar o caminho

Do deserto

 

Incerto

De eu menino…

 

Os dias contados

Como cêntimos de brincar

Na algibeira do desejo

Regressam os lábios

Regressa o beijo

E a avenida perdida

No centro da cidade de vidro

Os dias engolindo versos

E poesia

Procurando um corpo simples

Sem memória

Nem estória… para habitar o meu esqueleto desventrado…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 1 de Janeiro de 2016

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A diáfana agonia encostada à janela da Sala de Jantar


Estes solavancos que a vida me dá

O transporte para o Inferno

O apeadeiro do desejo

Desgovernado rio abaixo

A cidade dos mortos

Recheada de desenhos

E palavras

Gastas…

A primeira alvorada

O último comboio para a solidão

Quase de partida

Como um foguetão

Quase de se esconder

Como o amor

O dia ameno

Sereno

Como uma criança sombreada pelos esqueletos da selva

A montanha

A diáfana agonia encostada à janela da Sala de Jantar

E eu sentado na tua sombra

Puxo de um cigarro suicidado pelo cansaço

E ignoro-o como se ele fosse o mal dos meus pecados…

Como se eu tivesse pecados

Originais livros

E plantas num rés-do-chão manhoso

Daqueles que ao acordar se percebe que o dia é uma canseira

Uma tristeza

Sobre a mesa

Ao cair do dia

Na aldeia

Sofro

Muito

Sofro o suficiente sofrido das gaivotas em flor

Os jardins suspensos na noite embriagada

O dono da esplanada

“vamos embora seus cabrões”

E fomos

Tristes

Tristes

Por percebermos que éramos cabrões de primeira classe…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 30 de Dezembro de 2015