Tive
um amigo que morreu de silêncio,
Paz
à sua alma,
Tive
um amigo que se cansou da melancolia dos dias, das noites, das noites sem
noites depois das noites, vivia acorrentado a uma árvore, eu, acreditava na
inocência dos seus lábios, encardidos pelo temporal, desgastos pela
insignificante margem do rio onde brincavam gaivotas e marinheiros, e sucata de
mim
Ontem
fui a um bar em Cais do Sodré, sentei-me, viajei até mil novecentos e oitenta e
sete, era dia, corríamos embriagados em direcção ao medo, havia conquilhas e
cerveja à mistura, como sempre, este amigo, embriagado pelas minhas palavras,
Amo-te,
dizia ele, quando percebia que a escuridão se entranhava nos meus ossos de
veludo, que eu, semeado na seara do vento, tinha medo, sentia a solidão sobre o
meu peito, havia noites de tortura, havia noites de desequilíbrio mental, a
loucura, o Tejo no meu quintal,
E
sucata de mim,
Que
boiava nos teus cabelos, meu amor, e sucata de mim espalhada pelos sítios mais
incógnitos da nossa casa, um palheiro, simples, e felizes, assim,
Acorrentado,
tu, meu amor, nesta cidade de Cais sem destino, de barcos sem comandantes, ou
cordas de nylon invisíveis, e mesmo assim, recordo-te, amar-te talvez, um dia,
amanhã, depois de amanhã… ou ligo, talvez, talvez meu amor,
No
meu quintal,
Uma
sanduiche de sódio baloiçava nas minhas veias, sentia a morte, o fim, a
despedida, não faz mal, meu amor, amanhã, talvez, no meu quintal, eu, em Cais
do Sodré, abraçado a ti, sem ninguém, amanhã
Tive
um amigo que morreu de silêncio, frequentava a minha poesia, uns dias aparecia
outros…
Amanhã,
não saberei se tu,
Outros…
uma cancela de vidro,
Se
tu me amas, se tu, se tu me recordas como recordas as tristes alvoradas em
frente ao Tejo,
Outros,
e mais outros, não sabiam que o amor é um cubo de chocolate, só, triste e só,
como eu
Tejo?
Outros…
Amanhã,
não saberei se tu,
Outros…
uma cancela de vidro, um comboio em aço desgovernado subindo a Calçada da
Ajuda, e
Ajuda
nenhuma, sempre só, meu amor, sempre, sempre só nos teus braços, nos teus fantasmas,
nas tuas coxas de silício mergulhadas na corrente eléctrica do sofrimento,
Tejo?
Talvez,
meu amor, talvez…
Tive
um amigo.
Francisco
Luís Fontinha – Alijó
Sábado,
31 de Outubro de 2015