sábado, 1 de novembro de 2014

Trôpegos feitiços


Desdenhado cansaço de viver
das distantes planícies de algodão
sofrendo sem querer
querendo...
o pão
as sílabas engasgadas na montanha do Adeus
as palavras desenganadas de um falso esqueleto
trôpegos feitiços de chorar
os poemas de escrever
cintilam na tua mão as cavernas da escuridão
lês a penugem da madrugada
dos sonhos desenhados no amanhecer...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Novembro de 2014

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Falso espelho


Olho-te como se fosses um falso espelho
semeado no centro da cidade
olho-te e no teu silêncio há um poema embrulhado em tristeza
sofres
sofres sem dizeres nada
olho-te e não sei a cor do teu sorriso
se tens dores
se...
se preferes sentir o mar
como fazíamos no Mussulo
davas-me a mão e eu sonhava...
hoje... hoje sentes a minha mão e tu constróis lágrimas em papel...
lá fora dança o vento e tu voas como voam os suspiros invisíveis
geme uma árvore
ouve-se o rosnar fervoroso dos automóveis embalsamados
ouvem-se as migalhas de dor correndo montanha abaixo...
lá fora as minhas veias são cinza de cigarro
após cigarro
olho-te... olho-te e não me canso de te olhar
como nunca me cansei dos teus lamentos
olho-te e percebo como eram lindas as sanzalas de Luanda...
e os barcos acorrentados a braços de gesso
sofres
sofres sem dizeres nada...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 31 de Outubro de 2014

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Geometria da paixão


Toco-te sem saber que não sentes o meu silêncio
toco-te sem perceber que há dia nos cortinados do teu olhar
sentamos-nos
e descubro que na tua mão de lágrima
vive uma abelha
triste
e cansada
toco-te fingindo que no teu corpo existe uma cidade por descobrir...
deserta, só
toco-te sem saber que não sentes o meu silêncio...
que a minha ausência vestida de negro
é apenas um pedaço de cansaço semeado no teu ventre...

O veneno
o veneno que há em ti
comestível nas tardes de solidão, à janela
desenhando o que é impossível de desenhar...
porque os círculos da paixão se evaporam nas pedras em combustão
e na geometria... o amor não tem significado
é absorto
é... é mais uma ruela sem saída
o veneno
o veneno que se alicerça aos teus seios
e...
e não te deixa adormecer,

Toco-te sem o saber
porque deixei de observar as tuas algas
e esqueci que nesse rio onde andavas...
ninguém hoje sabe que o teu corpo lhe pertenceu
foste abraçada
foste... foste amada
pensavas que havia rochedos de insígnias
quando apenas...
nada
quando apenas uma quadriculada palavra... invadiu as tuas coxas
absorveu-as... e hoje são um esqueleto de vento
em pequenos quadrados suspensos nos lábios de um marinheiro...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

Este Outubro


Este Outubro de desengano
como um rio sem cidade
os pássaros felizes
os pássaros... os pássaros sem vaidade
poisados nos teus ombros silenciados
este Outubro desgraçado
que vive nos meus cabelos
voando
voando...
voando sob o tecto da saudade
este Outubro sem palavras ou versos
este Outubro suspenso na cárcere invisível
que não sabe
e ignora
o outro Outubro cinzento
aquele que mora
no bairro banhado de lata
este Outubro que se entranha em mim
como um tentáculo de espuma...
este Outubro... foi assim...
comi flores de papel
pintei lágrimas no teu olhar
este Outubro que chora
e nunca viu o mar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Seara da insónia...


Esqueci o meu nome enquanto dormia nesta seara de insónia,
levemente me batia,
o vento inanimado...
cansado de trabalhar,
esqueci o meu nome nos livros da paixão,
desenhei corações nas entranhas da solidão,
esqueci o meu nome nas ruas de uma cidade,
também ela,
também... também eu...
sem nome,
sem... sem idade,
na calçada da liberdade,

Caminhei sobre o amarfanhado mar,
como um vampiro em chocolate,
deitei-me no chão,
dormi na seara da insónia...
esqueci o meu nome nas estrelas de cartão,
não sei se estou vivo...
não sei... não sei se hoje há vertigens na minha mão,
enquanto embriagado me encosto ao xisto muro,
não seguro,
o perfume silêncio em volta dos teus seios de rochedo cinzento,
não me calo...
não... não me contento,

Esqueci o meu nome nas andorinhas de veludo,
voei como voaram os meus sonhos...
hoje... apenas pedaços de sombra,
e aço enferrujado,
não me calo, não... não tenho medo do amor impossível,
esqueci o meu nome,
esqueci...
nas arcadas do infinito,
não seguro,
não... não me contento...
e no entanto,
sou feliz sem nome... sou feliz sem estória...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

Espingarda de amar


Esta espingarda de amar
que vive sem matar
não há bala nem canhão
que se alicerce no teu coração,
o amor travestido de socalco
descendo a montanha do adeus
o rio... longe
o rio come
e alimenta
este corpo descalço
um desenho pintado no ar
um suspiro... um suspiro pronto a disparar...
esta espingarda de amar
que vive sem matar
esta paixão quadriculada
sempre pronta para voar,
voar... voar na madrugada.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Avenida da paixão


Os relógios enferrujados
encolhidos nas tristes alvenarias
as janelas escondidas...
no olhar da serpente

as estilhas adormecidas
nos pregos dentados
os relógios... os relógios encalhados
em rochedos rendilhados

o pólen de um olhar
semeado na escuridão
e os relógios sem fôlego
e os relógios... e os relógios sem pão

e a paixão?
matriculada nas putas avenidas
correndo
saltando... os muros embriagados dos ossos embalsamados

os relógios...
escrevendo na pele da solidão
horários enlouquecidos...
sem vontade de sonhar

sonhar a paixão?
há cadáveres perdidos
na eira da infância...
colchas de linho... suspensas nas árvores tombadas no chão.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 28 de Outubro de 2014