domingo, 22 de junho de 2014

A cidade dos rochedos sem saída


Há uma cidade no teu corpo,
uma cidade proibida, uma cidade com lábios de despedida,
há uma rua pequenina, uma rua com sorriso de menina...
há no teu corpo janelas com vidraças de cansaço,
edifícios abstractos, e portas de entrada sem saída,
há uma cidade no teu corpo,
a cidade de aço,
uma cidade com um beijo morto,

Alicerçam-se as algas nos teus magoados cabelos suspensos no vento...

E a cidade do teu corpo..., é uma cidade de sofrimento,
entre linhas, entre palavras, com sabor a neblina,
há uma cidade preguiçosa no teu corpo,
a cidade eterna, a cidade sem alimento,

Nesta cidade, a cidade que habita no teu corpo, há um mendigo sem sina,
uma estrada longínqua, um rio insípido mergulhado na tua mão,
quero esta cidade, a minha cidade,
quero o teu encerrado coração,

Alicerçam-se as algas nos teus magoados cabelos suspensos no vento...

Há uma cidade no teu corpo que invento,
proibida, proibida como os cacilheiros adormecidos,
a cidade que fervilha,
a cidade que me deseja, e me transporta para os infinitos rochedos,
há uma cidade com bocas, com línguas... com... com medos,
uma cidade de torpedos,
vadia, proibida... uma cidade com esqueletos esquecidos...
(Alicerçam-se as algas nos teus magoados cabelos suspensos no vento...)
que dormem nos teus braços de papel amarrotado.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Junho de 2014

sábado, 21 de junho de 2014

Qual é a cor do seu silêncio!


Diga-me Senhora, qual é a cor do seu perfume!
Que odor é este, que sabor tem na sua boca,
a lume, ciume,
diga-me Senhora,
de que sanzala é oriunda,
e louca,
que loucura habita no seu olhar,
será ternura?
Será... será o verbo amar...
Ai minha Senhora,
que cansaço desenhar nos seus lábios a mandíbula adormecida,
tão linda, tão... tão querida,

Diga-me Senhora, qual é a cor do seu silêncio!

Que palavras são estas que vagueiam no seu corpo desnudo,
que seios são esses, de algodão, que se transformam em poesia,
quando da noite vem o homem mudo,
e se veste de alegria,

Diga-me Senhora, qual é a cor do seu silêncio!

Ai Senhora, como são lindos os seus beijos,
como são belas as suas coxas de madrugada,
minha Senhora, diga-me... diga-me como é viver no seu peito...
porque eu, eu não tenho jeito...
porque eu, eu sou uma jangada,
perdido nos Oceanos desejos,

Diga-me Senhora, qual é a cor do seu silêncio!

Que tempestade é esta, que força me puxa para os seus braços...
diga-me, diga-me por favor...
diga-me como são os seus anseios, e se existe em si uma janela por abrir,
diga-me Senhora, diga-me quem é o usufrutuário do seu amor,
e de que cor,
e o odor,
dos seus abraços,
… em... em flor.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Junho de 2014

A desenhadora de rugas

Envelheces-me,
desenhas rugas nas minhas pálpebras envernizadas,
dizes que o meu corpo, dizes que o meu corpo é uma jangada apodrecida,
à deriva, como as gaivotas apaixonadas,
como as madrugadas,
também elas, tal como eu, envelhecidas,
tristes...
e... e cansadas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Junho de 2014

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Faltam-me as palavras de amar


Quem sou?
Faltam-me as palavras para definir este cansaço sem pernas, este cansaço sem boca, este cansaço sem poemas,

As tuas mãos ardem, tracejando o meu corpo em lâminas de suor,
há um desejo escondido nos teus lábios de cerâmica adormecida,
há uma tempestade no teu cabelo, um rio vagabundo correndo nas tuas veias,
as tuas mãos alicerçam-se ao papel solitário, aquele... aquele que espera pela minha caligrafia,
um papel amarrotado, com odor a cidade, com... com alergia,

Que vida é esta, quando em mim facas de granito brincam como andorinhas,
quando em mim papagaios com olhos verdes se entrelaçam nos meus pulsos sangrentos,
e há um círculo no teu peito, um círculo cinzento, um círculo de espuma...
onde vive o prazer, de onde se alimenta a minha dor,
a dor... a dor de escrever,

Quem sou?
Faltam-me as palavras para definir este cansaço sem pernas, este cansaço sem boca, este cansaço sem poemas,

Serei um poema que vagueia nos teus seios?
Uma cama,
um espelho de uma velha cómoda encostada à lareira...

Faltam-me as palavras,
as minhas, as tuas palavras doiradas,
faltam-me os cinzeiros de estanho, onde deixo durante a noite os meus sonhos...
tu, tu embrulhada no luar,
faltam-me... faltam-me as palavras de amar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Junho de 2014

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Palavras de gritar


Tenho medo de olhar o teu rosto lusco-fusco, e frágil, de areia, de mar, maré...
cacilheiro à procura de uma gaivota com sorriso de amanhecer,
poema inventado, poema por escrever,
sentindo nas pálpebras os alicerces da madrugada de papel,
tenho medo, confesso, de olhar-te nesse espelho convexo, onde pareces uma persiana suspensa no vento sem rumo, sem... sem estória,
uma correia, uma roda dentada... em movimento,
tenho medo, medo,
que adormeças, que não regresses... sem me dizeres... Adeus,
encontrar-nos-emos qualquer dia, por aí, numa esplanada,
ou... ou no Céu,
não acredito, mas finjo acreditar, e do medo, e do medo nascem em mim silêncios,
e... e palavras de gritar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 19 de Junho de 2014

Palavras de Cristal II

Participação de Francisco Luís Fontinha – Alijó (páginas 201/205)

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Dizem... dizem que este som... que este som me enlouquece


Este som enlouquece-me,
transforma-me em pássaro, transforma-me em vogal solitária,
este som que eu amo, é uma constante com vida,
é uma sebenta ordinária,
na noite perdida,
este som me ama, como mais ninguém me consegue amar,
Ai este som...! Este som pincelado de mar,
amargurado nas réplicas ondas sísmicas dos teus lábios,
este som me alimenta,
e é escrita envergonhada,
som, som que vem a mim através da madrugada,
é suor, é pedra de calçada,

(Bombino me encanta)

Este som mergulhado na neblina,
vestido de negro, vestido de andorinha,
e voa sobre os telhados loucos da tua boca,
este som..., este som me ama, este som é coisa pouca,

(dizem que sou sisudo e nunca sorri)

Este som enlouquece-me,
este som vive dentro de mim,
não é árvore, não é jardim...
aquele jardim onde tínhamos beijos e carícias como se fôssemos duas gaivotas apaixonadas,
este som habita nas palavras,
é poema, é cansaço... é amor,
este som é a tua eterna flor,
sem braços, sem... sem montanhas de algodão,
este som, este som é o teu corpo com comportamento de fluido,
é hidráulica, é equação...
este som,
este som é o desejo sem desejo, é um projecto em construção,

(dizem... dizem que este som... que este som me enlouquece).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 18 de Junho de 2014