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foto de: A&M ART and Photos
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Não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva... ou
Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio
acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade
dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto,
passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do
motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino
final,
não sabia,
E no entanto, quando ancorava o rabo na cadeira de
couro, com pernas elegantes e rodinhas que me transportavam e me
faziam transportar, em círculos, em ondas, como atravessando os
espaços vazios do compartimento a que baptizaram de “escritório”,
eu recordava-me dos teus olhos...
dirão... olhos, quais olhos, de quem são os olhos
que neste momento dormem sobre as palavras acabadas de escrever?
E tantos, de tantas cores, uns cansados e usando
óculos, outros, menos cansados, e não necessitando de uma bengala
para simples leituras a curtas distâncias, e outros, outros da cor
do desejo e com sabor a melancolia, a saudade, a tristeza, a...
vinham as tempestades, e traziam-me os cordéis que serviam para me
acorrentar às árvores em protesto pela sombra prometida, e víamos
que de sombra nada ou algo parecido, concluindo que tínhamos sido
burlados pelo vendedor de sombras, homem que se fazia passar por
honesto, como todos os homens burlões, bem falante, com cultura
superior à média, bem apresentado visualmente, e no entanto, abria
a pasta de couro, e de um catálogo colorido, mostrava-nos vários
tipos de sombras, algumas pareciam lâmpadas de baile de aldeia
encurralada na montanha dos apaixonados cus de de um desonesto homem
vendedor de lanternas, que além das sombras, nos impingia algibeiras
envenenadas contra todas as perdas monetárias, como se de uma vacina
se tratasse, comprei uma delas, e logo por azar, perdi trinta euros,
paciência, digo-me enquanto folheio mentalmente as imagens das
milhares de sombras, que ele, o homem, nos vendia por uma módica
quantia de cinco mil euros,
adquiri uma em treze suaves prestações, mas até à
data de hoje, sombra nenhuma,
Voltando ao apelidado “escritório” quando
carregava no interruptor que supostamente serviria para ligar a
lâmpada do pequenos espaço com duas secretárias (em madeira –
não das outras), só não acendia lâmpada alguma como ouvia do
rés-do-chão o rinchar de uma égua, a princípio não sabia
explicar o sucedido, depois, depois de tanto pesquisar, de descer
escadas, entrar no curral do animal, carregar no interruptor e a luz
apagada, e do primeiro andar a voz da menina Augusta
acendeu a luz do escritório...
O electricista tinha trocados os fios, e o
interruptor do escritório servia para acender a luz do curral da
égua, e o interruptor do curral da égua, acendia a luz do
“escritório”, não sabia como apelidar-te, se de anjo, chuva...
ou Primavera enlouquecida, mas sentia-te logo pela manhã, ainda meio
acordado, ainda meio sonâmbulo, ainda não sentido a musicalidade
dos pássaros que horas mais tarde, e de árvore em arbusto,
passeiam-se como se fossem transeuntes embriagados com palavras do
motor de arranque do automóvel que me transportará ao meu destino
final,
não sabia,
E dos inúmeros olhos que poisaram sobre os meus
olhos verdes, foram os teus, foram os teus, aqueles olhos cristalinos
como a água transparente da ribeira quando desce a montanha, e sem o
perceberes, estás sentada num lago invisível, e nas tuas costas,
cisnes, brincam, conversam contigo, iluminados pelos
não
Sonhos que acompanhavam o vendedor de sombras, e
agora, não sei, se foste uma sombra, ou se és um sonho, não sei,
acendeu a luz do escritório...
Ou... talvez saiba, luzes, luzes embainhadas em
cores como os milagres do burlão vendedor de sombras, que na compra
de uma, me ofereceu como bónus... o teu olhar de feiticeira,
escondida sempre entre jardins e clarabóias de sótãos com janelas
viradas para o rio, o mesmo, que te viu despedir-se do mundo...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha