terça-feira, 19 de março de 2013
segunda-feira, 18 de março de 2013
Gemidos fingidos das janelas de vidro
Imagino-a sentada à minha espera, acendo a luz da
despensa, procuro sem precisar qualquer coisa desnecessária, sal, ou
açúcar, arroz, talvez polpa de tomate em lata, talvez nada,
pretextos, manias, esconderijo onde me sento, esperando que ela
Vou embora,
Volto a apagar a luz, saio da despensa, vou à
janela
Batem à porta, imagino-a a voltar, e finjo não
estar, como antes o tinha feito,
Da janela, sem a abrir, oiço o desalinho dos
automóveis caminhando pela calçada em paralelo que me fazem
recordar as noites de embriaguez quando as calçadas voavam
conjuntamente com o vento
Ora essa, não acredito!
Verdade, nós cambaleávamos porque os paralelos
voavam, saltitavam, e nós, tropeçávamos como tropeçavam as
minhocas antes de colocadas no anzol do desgosto, prendíamos grãos
de trigo no anzol, e atirávamos-lo para o quinteiro da vizinha,
depois, depois era só puxar o fio de pesca e uma galinha acabava de
nos sair na rifa,
Acreditas agora?
Vou-me embora, levantar âncoras e baixar velas,
E quando abria a janela subia até nós o intenso
cheiro dos resíduos sobrantes da noite passada, aquela onde os
paralelos saltitam e cambaleiam, nunca os percebi, nunca os quis
perceber, como também não percebo a existência de mim em calções
quando me olho no espelho da praia, e eu ando lá, e eu, eu
Não
Andar lá,
Eu morri numa manhã de Sábado, em frente ao Tejo,
em Novembro, e enquanto esperava que me transportassem..., perdi-me
numa feira de velharias, perdi-me dentro dos livros, dos cachimbos,
alguns mais idosos do que eu, e sinceramente, não me recordo de ter
passado pela porta da tempestade cinzenta, lembro-me de um velhíssimo
chapéu de soldado da ex-URSS, mas da porta
Via os vidros em pedaços, ouvia os estalido dos
candeeiros da rua contra os automóveis que circulavam, entre
paralelos inquietos, ressacados, de fome nos lábios, senti sobre os
ombros as cordas que seguram as roldanas que puxavam as lanças para
os guerreiros do Céu, e ouvia-a
Esperava por mim, eu, eu escondia-me dentro da
despensa, acendia a luz, fingia procurar coisas, insignificantes,
como quando não me apetece falar com ninguém invento buscas à
minha biblioteca à procura de livros que ainda não foram editados,
de livros que existem apenas dentro da cabeças
Deles e delas,
E eu,
Finjo,
Invento buscas, chamo os bombeiros, dou participação
na polícia, digo-o, invento, que desapareceu de casa de seu pai,
vestia gabardina negra (de noite) e calças de galga (polidas no
tempo), calçava umas sandálias em tiras de couro, e a última vez
que o viu
Diz que foi junto aos livros de Luiz Pacheco,
Ou
Não,
Minto,
A última vez que o vi foi junto dos livros de A.
Lobo Antunes, foi, tenho a certeza, e desde então, nunca mais
Apareceu,
Nunca mais
Me atormentou,
E nunca mais
Apareceu-me à janela quando a escuridão entra casa
dentro como flores tombadas pelas tempestades enceradas com gotas de
água e bolas de sabão, lá fora, o cigano com uma máquina
esquisita (fogareiro com sujidade) dá à manivela e aos poucos
Mãe
Sim filho
Olha
Pipocas,
E afinal ele ali tão perto, tão perto, perto
Que nunca acreditei que fosse ele, em gemidos
fingidos das janelas de vidro.
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
Claro que não percebes que há olhares invisíveis
É impossível viver-se assim, não concordas
comigo?
(meia dúzia de gargantas contra as lajes do vento,
três ou quatro mãos arremessando pedras da calçada na direcção
da casa amarela da rua escura que tem uma árvore caquética, com
dois ou três bancos de jardim, envelhecidos como o povo, como os
barcos, como os pássaros que assistem pacientemente à ditadura do
dinheiro, morre-se, matam-se, suicidam-se nuvens não percebendo que
o futuro é uma sepultura com pedra mármore em cima, cansamos-nos de
ouvir tantos e tantos comentadores, que tudo comentam, que nada
percebem daquilo que comentam, hoje a receita é uma, amanhã já é
outra, e talvez, depois de amanhã, não sei, apreça um que diga que
a solução é o peru recheado com batatinhas doiradas, caseiras, o
peru, caseirinho, as delícias da avó Silvina, e hoje),
Percebes o que eu quero dizer-te?
(hoje ofereceram-me catorze ovos, caseiros, e sou
levado a concluir que o dia não está a ser assim tão horrível,
como eu pensava, ao acordar, depois recebo a notícia que vai ser
editado pela Fundação José Saramago um novo livro “A estátua e
a pedra” de José Saramago, e confesso, neste momento da minha
vida, digo-o e repito-o
estou a cagar-me se a barraca vai ou não vai
abaixo, que estou a cagar-me se a tenda frágil deste circo vai ou
não vai ruir, porque
hoje deram-me catorze ovos, se comer um por cada
jantar, tenho catorze jantares garantidos, mais uma laranjas que a
velhinha me ofereceu, poderei dizer que
hoje até que nem foi um dia assim tão horrível,
chato, não, não,
é impossível viver-se assim, não concordas
comigo?)
Nós aguentamos, nós somos como os plátanos, na
minha terra adoptiva existe um plátano com cerca de cento e
cinquenta e sete anos
E ele
Aguenta, e ele, e ele tem aguentado tudo, tormentas,
tempestades, velórios irrisórios, vestimentas de areia, ditaduras,
e omissões marítimas, e ele
Aguenta, sempre, hirto, um pouco obeso, é normal
para a idade, mas tirando isso
Aguenta, tudo,
(meia dúzia de gargantas contra as lajes do vento,
três ou quatro mãos arremessando pedras da calçada na direcção
da casa amarela da rua escura que tem uma árvore caquética, com
dois ou três bancos de jardim, envelhecidos como o povo, como os
barcos, como os pássaros que assistem pacientemente à ditadura do
dinheiro, morre-se, matam-se, suicidam-se nuvens não percebendo que
o futuro é uma sepultura com pedra mármore em cima, e dizem que o
futuro somos nós
nós, quem?
os esqueletos recheados de fome?
ou
os vampiros da morte, os pedintes novos caminheiros
caminhando sobre as rodas circulares das ameixas em flor, hoje foram
catorze ovos, e amanhã? E se amanhã não existir amanhã? Porque o
peru deixou de ser caseiro, ou
Porque as batatinhas deixaram de ser caseirinhas, e
das nuvens, nem água, nem incenso, nem
não
nem as planícies dos triângulos azuis que voam
sobre as tardes de neblina, tenho vergonha mãe, dizias-me tu quando
calçavas as botas com os dentes de fora, de beiços aguçados, ou
tenho vergonha mãe
quando as calças tinha as joelheiras rotas, e
tínhamos o couro que servia como remendo e como adereço,
e),
Não sei, diziam-me que aqui havia uma ilha com
rochas que falavam, juro, percorri todas as montanhas e rochas
nenhumas, quanto mais falarem, e como precisávamos de conversar,
olharmos-nos, os meus olhos nos teus olhos, que confesso e não me
leves a mal, nunca soube de que cor são, digo-o, para mim passam a
ser encarnados com bolinhas brancas, e hoje
Catorze ovos, caseiros, catorze jantares
assegurados, laranjas para sobremesa, música, e que nunca nos faltem
as pilhas para o rádio, nunca
Porque sem música
Morríamos, deixávamos de dançar sobre as
cristalinas ondas de sono, e tu vinhas a perceber que a noite é uma
mentira com cortinados de luar,
(não sei o que faça, não sei se amanhã terei
força para me erguer, reerguer, gritar, chorar, e acredita, estou
calmo, não estou nervoso e não sinto a falta dos cigarros, mas
hoje
e amanhã?
e
depois de amanhã?
Não sei
talvez cresçam e floresçam as inventadas flores
que colocamos sobre a pedra mármore das velhas e novas sepulturas,
com janelas, com clarabóias, e enxadas de vidro nas mãos calejadas
dos homens vestidos de árvores, com três ou quatro pássaros
poisados na cabeça, esse homem, esse desgraçado homem,
é ele
sou eu)
Adormeci um dia sem perceber que as manhãs são
mesas de madeira com toalhas de plástico; como está tudo isto?
Uma merda, uma grande merda.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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A estátua e a Pedra – José Saramago,
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5070 Alijó, Portugal
domingo, 17 de março de 2013
O que tem o mar
O que tem o mar que tu não tens
tem seios de oiro e sorrisos de prata
tem abraços e manhãs sem cansaços
tem olhos verdes
e cabelos de vento
tem prazer
dor
tem amor
e tem letras para escrever
o que tem o mar que tu não tens
tem viagens tem barcos tem paixões
escondidas nos lábios do pôr-do-sol,
Tem saudade
e bairros de lata
tem perfume tem rosas tem ciúme
o que tem o mar que tu não tens
tem gemidos tem vogais
e sílabas mórbidas entaladas na
madrugada
tem camas salgadas
com lençóis de sémen
tem corações
e pernas de cristal pintadas à mão
tem ondas
espuma e um enorme canção,
O que tem o mar que tu não tens
queres mesmo saber?
tem sombras tem desenhos tem muros em
suspensão
tem um papagaio de papel
e um cordel
tem cheiros tem pedras de muitas cores
e tamanhos
tem flores
tem silêncios tem demónios e
esqueletos com ossos à deriva
o que tem o mar que tu não tens
tem livros tem poemas tem cinema
e mulheres vestidas a preto e branco,
Tem dança
e asas de voar
tenho pena de este mar
ter tudo o que tu não tens
o que tem o mar que tu não tens?
tem as lágrimas tem o ombro tem o
peito
onde encosto a cabeça
ai... que este mar tem tudo mas tudo
aquilo que tu não tens
tem submarinos e sepulturas de vidro
tem árvores de fingir
tem loiras cansadas noites de Primavera
e tem... tem doidas palavras...
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo
(Domingo)
Temos de terminar isto, fiz-te sofrer durante
duzentas, trezentas... não mais de quatrocentas páginas, mas hoje,
juro, hoje vou matar-te, deixar-te em pedaços, destruir este e os
outros pedaços de papel para que nada, absolutamente nada sobre de
ti,
Chamei-te Zizi,
Como podia apelidar-te de Maria, Teresa ou Marilú,
e quando penso em ti
Marilú,
Recordas-me o incenso em brasa e o cheiro a mar
quando ele vive a mais de duzentos quilómetros de mim, recordas-me
as caves misturadas na noite, recordas-me a literatura travestida de
orvalho abraçado a um cais de embarque, cortaram-te as correntes que
te prendiam à terra achatada e agora navegas desesperadamente como o
vento sem rumo, como as pessoas de mim
Sobre as árvores à espera que regresse a
segunda-feira, hoje serás o último dos textos, quer queiras quer
não, porque me cansei de ti, das tuas mãos e das tuas tristes
palavras, também me cansei dos teus lábios, da tua boca
Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo,
odeio-te quando te finges de espelho e estaticamente pareces um fio
suspenso por um fio de nylon,
E tu sabias que era essa a minha vida, ou não?
Mas hoje morrerás, hoje deixarás de ser texto,
palavras, imagens a preto e branco, hoje, Domingo,
Fato, cansado
De ti
Do cheiro do papel e dos livros,
Das tintas,
E das histórias,
Pareço, pareço um vagabundo numa paragem de
eléctrico, vestido de negro, confundo-me com a chegada da noite, mas
fico com a sensação que vão cair gotinhas de água com perfume de
incertezas, dores musculares, e uma estrutura óssea quase em ruínas,
doem-me os pilares, doem-me as vigas, doem-me os alicerces inventados
por um engenheiro desgovernado, escrevia palavras nas coxas de Zizi,
e levava-a a passear, quando
O Tejo já dormia e quase nem se via com as luzes
reflectidas nos olhos da madrugada, chegavas tardíssimo a casa,
chamavas por mim, eu dormia, outras
Fingia dormir,
Tínhamos sobre as almofadas de linho os quatro
cubos de areia com cinco esferas de aço, tínhamos três janelas sem
vidros, sem esquadria, apenas o buraco com imagens de
Matar-te-ei com com uma caneta de tinta permanente,
e imagino-te a derramares-te pelas folhas do caderno como um pente
nas faces do xisto antes de acariciado pelas mãos de um feliz
travesti
Marilú,
Com imagens de manhãs brancas e noites cinzentas,
como fotografias penduradas num cordel, e de mangueira a mangueira,
olhavas-me
Olhava-te na vida de silêncio que inventaste para
mim, e sobre mim, e depois de mim, e
Matar-te-ei hoje,
E deixarei de escrever-te, morrerás ao som de “The
Enlightement” The Ratazanas, e depois fazer-te-ei descer as
íngremes escadas da melancolia, até que desaparecerás nas ondas
híbridas do oceano em cio, e eu queria tanto abraçar-te, e eu
queria tanto beijar-te
Antes de poisar a caneta e escrever sobre a noite
FIM,
E não sabias que um barco vinha buscar-me aos cais
dos acorrentados, e nunca soubeste que uma gaivota vinha a mim, como
vieram todos os soluços das manhãs quando acordava e do outro lado
do espelho
Apenas
Do outro lado do espelho um vazio chamado círculo,
com olhos verdes, com pernas e braços e coxas e púbis, um círculo
trigonométrico encaixado no crucifixo que a parede segurava com as
mãos da insónia, e dizias-me
Odeio-te quando não fazes amor contigo...
Zizi?
Sim, amor
Não percebes que é propositadamente
O quê amor?
Que eu
Tu o quê amor?
Quero que me odeies...
Como se odeiam os poemas ainda não escritos dentro
da minha cabeça de abobora, lembras-te do homem com cabeça de
abobora? Talvez um dia, quando leres estas palavras, percebas
Quero que me odeies...
Que das minhas pobres palavras nunca vão nascer
coisas para encantar os espelhos, as ruas, as ruelas e tristes casas
de pasto, sobre uma pobre mesa de madeira vestida com uma pobre
toalha de plástico, um copo e uma garrafa de vodka, tu preferias
vinho, tinto, a empregada, já de idade avançada tinha acabado de
deixar uma travessa com peixe frito, pão, azeitonas, dispensamos
tudo, excepto as bebidas, não tínhamos fome, mas comíamos palavras
E sussurravas-me baixinho
Amor,
Sim Zizi,
Odeio-te quando não fazes amor comigo,
(e não percebias que era propositadamente).
(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha
sábado, 16 de março de 2013
Vida em carris subterrâneos
Vida em carris subterrâneos como a
alma do morto
sobrevive-se dançando na praia como
grãos de areia
salgada
sobrevive-se dançando
entre picos de solidão e melodias de
cansaço
o meu porque sofrer é o mar depois de
dormir
levar com os barcos sobre os lençóis
da noite
gemer sorrindo fingindo amar
contra as janelas e os pilares
vagarosos
que o vento transporta de ontem
para... stop
amanhã é outro dia,
Incendeiam-se-me as asas e caio na
fossa séptica do amor
sem dizer nada
ou ninguém,
Ou palavras,
Leio-o porque dorme em mim não
descendo calçadas
não brincando em jardins
leio-o como leio nas folhas das árvores
as migalhas do teu corpo em sabonetes
de rosa adormecida
não me interessam os transeuntes
famintos dos teus pobres seios
quando em mim
todos me odeiam
e vejo-me encardido nas pedras de
mármore dos montes abandonados,
Vejo-me sentindo-me ser escrito por um
louco
na mesa oca da taberna da Joaquina
e sei que lá fora
uma luz encarnada procura-me
como os olhos da madrugada
ou os cadáveres de ontem
em nada ou ninguém
para... stop,
Amanhã é outro dia,
Ou palavras,
Ou burocracias de um doente mental com
hálito a chocolate
e nos bolsos doentes
encontraram-se-lhes pedaços de beijos
migalhas
canalhas
os todos entre ninguém
homens soberbos das esplanadas
e eu... infinito nos teus braços.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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