segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Juro, Juro que eu trocava.


Trocava as minhas asas
pelos teus lábios
doce madrugada
trocava o silêncio do mar
quando a chuva em gotinhas de amanhecer
poisa nos jardins do prazer,

juro,
juro que eu tocava,

trocava a doce madrugada
às minhas asas
proibia-me de voar
proibia-me de sonhar
só para te ver sorrir
sem sofrer,

juro,
juro que eu tocava,

a doce madrugada
trocava as minhas asas
com o vento que acorda na janela do teu amor
a doce maré em sílabas de amar
eu trocava
as minhas asas com o mar,

juro,
juro que eu tocava...

(poema não revisto)

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


domingo, 25 de novembro de 2012

O bisturi entre os gemidos da alvorada

Parecias-me cansado e raramente entraste no quarto escuro, não chovia, dormitava às vezes, e ouvia através das fendas das paredes caquécticas os uivos do mar, raramente entraste no quarto escuro e encostavas a cabecinha loira no ouvido de gesso e ao longe ouvia-se o mar a descer as escadas da noite, pensava em ri, raramente me vinhas visitar, frágil o meu corpo retalhado e ausentado das manhãs chuvosas de Outubro, raramente, oiço-te em sombras tracejadas e caminhavas no passeio junto à paragem do autocarro, queria tocar-te e tu escondias-te dentro de um silêncio de luz, não, juro que não me importo, nunca, me importei ou importarei com o teu corpo retalhado pelo bisturi entre os gemidos da alvorada,

- o teu corpo meus deus, o que fizeram ao meu corpo flor dissimilada que o rio transporta para longe, para longe onde fica o cais de desembarque, e todos os destinos regressam da viagem, é terça-feira e reconheço que hoje, hoje esperava um abraço teu, hoje apetece-me mostraste as costuras do bisturi entre os gemidos da alvorada, e hoje, hoje percebi que perdi o medo do meu corpo, que é teu, nosso, como se um poema esteja a crescer nas minhas coxas húmidas que os sons nocturnos desenham nos candeeiros semeados na seara do medo, perdi o medo, e hoje, hoje tua, eternamente tua

parecias-me cansado

- posso tocar-te?

a cabecinha loira no ouvido de gesso e ao longe ouvia-se o mar a descer as escadas da noite, pensava em ri, com a tesoura da costura recortava as estrelas de papel e colava-as no tecto da saudade, olhava incessantemente a janela, desenhava-te nos vidros opacos e sujos do hospital, inventava beijos e carícias, e tu não deixavas que me aproximasse dos loiros ouvidos de gesso onde se percebia os gemidos do mar, ao longe, inquietantemente do outro lado do túnel de luz, os barcos em pequenos orvalhos transportavam as dores que entravam no meu corpo e raramente, raramente entraste no quarto escuro, não chovia, dormitava às vezes, e ouvia através das fendas das paredes caquécticas os uivos do mar,parecias-me cansado,

- posso tocar-te? E nunca percebi o teu mau humor, e eu, eu não percebia que cada pedacinho do corpo de uma mulher tem significado, existe, e não percebia o teu medo, repulsa, ausência, o medo que nunca existiu em mim, posso tocar-te? Não, e escondias-te dentro do guarda-fato e eu ficava a imaginar os teus lábios no sofrimento das madrugadas sem dormir, trocava o sono pela insónia, revolta-me comigo, contigo, com deus, com o caralho que me foda..., porquê tu? E não percebia, não percebo, olho-te e oiço-te, e nunca percebi o bisturi entre os gemidos da alvorada,

frágil, cuidado, não inverter, os lençóis enganchavam-se nos orgasmos das avenidas que terminavam no rio, fumava, adormecia sonhando sentir-te sentada sobre os meus joelhos de vidro, pensava para que me serve um cachimbo de água se eu deixei de fumar, Posso tocar-te?

- às vezes,

e tinhas medo das minhas mãos, o teu corpo meus deus, o que fizeram ao meu corpo flor dissimilada que o rio transporta para longe, para longe onde fica o cais de desembarque, e todos os destinos regressam da viagem, é terça-feira e reconheço que hoje

- às vezes,

que hoje percebo os teus medos, e que hoje, às vezes, os barcos sentados no estuário das garrafas de vodka mergulhadas em qualquer rua em Cais do Sodré, o teu silêncio, desaparecias e via-te nas paredes invisíveis do meu medo, perder-te, não tocar-te sabendo eu que não era importante tocar-te, para mim não, talvez o fosse para ti, e sabes, sou simples, humilde, também frágil, e às vezes, preciso de ver os barcos a regressarem do longínquo que só tu percebes, parecias-me tão cansada, moribunda, e construías sorrisos nas lágrimas doces das abelhas em flor,

- e às vezes, às vezes acreditei que nunca me ias tocar, perdi o medo, tocaste-me, e como é bom ser tocada pela tua finíssima pele de Outono, hoje, ontem, não chove, talvez amanhã, mas hoje sei que nunca tiveste medo do meu corpo...

Sei que sim.

(texto não revisto)

sábado, 24 de novembro de 2012

Os gemidos cansados da geada quando ligava a torradeira


Tinham-nas coberto com uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade, os relógios cessaram os movimentos pendulares após o sorriso tracejante das balas invisíveis que caminhavam na esplanada da noite, eu acendia os cigarros com um pedacinho de silêncio, quando existia, e sonhava transformar-me em sombra e acordar um dia distante nas profundezas do oceano, tinham-nas coberto, as casas e as ruas e as poucas árvores amigas que me restavam naquela noite invernal esquecida nos penhascos moliceiros mendigos de Janeiro, e eu recordo-me do primeiro berro que escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria,

- talvez um dia eu compreenda os gemidos cansados da geada quando ligava a torradeira para aquecer as mãos, finas e compridas, dizias-me que lá foram os jardins eram de areia, e eu não, nunca mais toquei nas lágrimas da areia, apenas uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade tilintavam os parafusos metálicos quando o comboio em direcção a Cais do Sodré atravessava a cidade acabada de ser engolida pela solidão, tu dizias-me que um dia ia perceber o que era a pobreza e ser miserável, e um dia as poucas árvores amigas livres da cidade, tinham-nas, tinham-nas coberto com uma fina película de fome, e tu dizias-me que um dia eu ia perceber, e percebi, hoje, ontem percebi que me fazes falta quando cai sobre mim a fina película de prata,

as balas invisíveis tracejantes em círculos nos cigarros, escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, e estupidamente ligava a torradeira para aquecer as mãos de mármore, e ouvia-te dizeres-me, tão grandes e finas, as árvores amigas que vivem na cidade dos sonhos, ouvia-te

- não temos nada para comer,

ouvia-te chorar dentro do silêncio da chita imitando os cortinados com flores das ruas de Luanda, e a primeira palavra que gritei numa parede de vidro Tenho fome, e nunca terás fome, prometo, e escrevi nas paredes livres da cidade, antes das balas tracejantes desenharem árvores com fome e as casas e as ruas finas com uma película de prata, Leva-me ao jardim

- não temos nada para comer, e levava-te a passear até ao mar e ficavas-te a dormir juntamente com a cidade, juntamente com os barcos, e juntamente com os movimentos pendulares das semanas, desapareceste entre as minhas mãos, perdi-te na torradeira enquanto aquecias, tão grandes e finas, as árvores, e as ruas,

antes das balas tracejantes desenharem árvores com fome e as casas e as ruas finas, eu não percebia que um dia vinhas ao meu encontro, te sentavas nas minhas pernas e inventavas o apito dos cacilheiros antes de eu perceber que o Tejo engole os meninos regressados de Luanda, e que eles tinham-nas coberto com uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade, os relógios cessaram os movimentos pendulares após o sorriso tracejante das balas invisíveis que caminhavam na esplanada da noite, eu acendia os cigarros com um pedacinho de silêncio, quando existia, e sonhava beijar-te de costas para o rio, e escondia-me depois dentro do teu corpo pintado nos carris paralelos abraçados no infinito, perguntavas-me

- falta muito,

respondia-te que não, mentia-te, inventava sombras e homens que te diziam andar eu a passear junto ao rio, e não sabias, não percebias, que a fome quando se alicerça em nós é como as algas, dificilmente nos deixam caminhar livremente, nos penhascos moliceiros mendigos de Janeiro, e eu recordo-me do primeiro berro que escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, mentia-te, e tu acreditavas nas nuvens que regressavam do outro lado do rio, a ponte dormia, tu dançavas sobre a mesa espessa com garrafas de vodka e pequeníssimos papeis escritos com as memórias mentiras de ontem, falta muito?

- Quase lá, o cabelo descia a Almirante Reis e numa transversal perdia-se numa noite de sexo, compreenda-se, compreenda-me, dizias-me tu antes de chegares aos lençóis mergulhados na infância com as paredes de vidro recheadas com os gritos de um miserável doentio navio desgovernado,

espessas com as garrafas de vodka pintadas nos lábios encarnados da cave nua, triste, e as balas invisíveis tracejantes em círculos nos cigarros, escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, e estupidamente ligava a torradeira para aquecer as mãos de mármore, e ouvia-te dizeres-me, tão grandes e finas, as árvores amigas que vivem na cidade dos sonhos, ouvia-te, dizias-me que as mentiras são eternas, como as palavras, e as tuas mãos desapareceram na torradeira numa qualquer noite de Janeiro,

- falta muito Perguntavas-me de segundo em segundo, tanta curva meus grande deus, e nunca mais terminava a montanha, crescia e descia a Almirante Reis para estacionar-me nas tuas mamas de socalco frente ao douro

hoje não me apetece,

- socalco frente ao douro, dizias-me baixinho a virar para a transversal dos prazeres e dos gemidos, é hoje, e não foi hoje que as lágrimas de seda mergulharam nas tuas coxas de marfim, ao longe, infinitamente abraçados ouvia os carris da infância à procura do rio, a ponte,

hoje não me apetece Dizias-me quando te perguntava o que tinha acontecido às árvores amigas que durante a noite deambulavam pela cidade, vestidas de mendigo, hoje não, ouvia-te lá fora, hoje não me apetece ouvir o rio no púbis dos socalcos,
oiço-te, ouvia-te os gemidos do infernal inverno quando abria a torradeira e aquecia as minhas mãos gélidas pergaminho em palavras miseras, hoje vi-te, oiço-te nos gemidos gritos das paredes de vidro,

- não me apetece,

e no entanto o rio está lá, e no entanto os socalcos estão lá, findos, húmidos desejos das montanhas em corridas loucas avenidas, saboreio o café e delicio-me com o novo livro de A. Lobo Antunes “Não É Meia Noite Quem Quer” e não me apetece, e o empregado do Jeronymo sorri-nos enquanto tu

- hoje não me apetece Dizias-me quando te perguntava o que tinha acontecido às árvores amigas que durante a noite deambulavam pela cidade, vestidas de mendigo, hoje não, ouvia-te lá fora, hoje não me apetece ouvir o rio no púbis dos socalcos, oiço-te, ouvia-te, sussurrar ao meu ouvido

enquanto tu pegavas na minha mão suspensa na torradeira da infância...

(texto de ficção não revisto)

E se suicidam nas janelas da saudade os barcos invisíveis


Há-de crescer um narciso
nas lágrimas de xisto
suspensas no silêncio teu rosto mergulhado em ti
vulcão apaixonado
que da ilha supérflua em círculos de luz
vivem nas ardósias tuas bocas deliberadamente loucas
dos cortinados da melancolia
e eu eu sentia,

as palavras tontas
dos oceanos regressos em pedacinhos de nada
amanhece em mim
as ervas daninhas do sofrimento
em dor
ou não
o teu corpo dilacerado entre as mandíbulas assassinas
que a madrugada desenha na areia fina,

há-de crescer um narciso
nas lágrimas de xisto
há-de crescer um rio que dentro de ti infinitamente ausente
nas palavras suspensas no silêncio teu rosto mergulhado em ti
e eu eu sentado nas escadas da cidade
contando os barcos invisíveis
que descem a calçada
e se suicidam nas janelas da saudade.

(poema não revisto)

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Aços abraços em paixões de aço

Quando me tocas sinto-o como se acordasse no meu interior uma mão cheia de plumas com gotinhas rosas de pequeníssimos silêncios, me tocas, quando oiço o desenfreado uivo da maçã juntamente com duas ou três laranjas e algumas nozes, quando oiço a locomotiva da tarde a despenhar-se contra os rochedos da noite, choras, metes-te na cama e colocas sobre ti uma laje maciça de aço inoxidável com parafusos de solidão e dizes baixinho, oiço-o, e dizes baixinho

- Amo-te

E dizes baixinho dentro das profundezas terrestres do centro da cidade que ontem choveram lágrimas de luz sobre as árvores infelizes do Outono, oiço-o, Amo-te prenuncias entre plumas e pedacinhos de papel encarnado com bolinhas cinza, e hoje não tenho cigarros, digo-o, oiço-te com o medo da morte desejada pelas janelas do sótão virado a sul, o telhado amuado como duas crianças antes do lanche, servem-se na esplanada de Belém torradas e café com leite e sinto-o, sinto-o sentado nos meus joelhos de vidro,

- E digo baixinho que ontem, uma semana qualquer do passado longínquo ouvi pela primeira vez a palavra amor prenunciada pela gaivota de quatro ventos e três sandálias de couro, o papagaio de papel alimenta-se da tua misera mão de criança recheada de sonhos e sílabas de capim, o doirado sôfrego dos sargaços abraços nas trapalhices escuras que o metropolitano inventa quando caminhas nos meus olhos de pássaro sem destino, Amo-te Ouvi-o e deixei de ver as marés quando me sentava nos finais de Janeiro e ao fundo da Calçada aparecias vestido de palhaço e trazias um chapéu de xisto, e eu, sozinha sentada nas ardósias das palavras inventadas por ti, e eu dizia-te baixinho, e eu acreditava que as tuas mãos eram de oiro maciço e que o mar às vezes entrava pela janela,

O desenfreado uivo da maçã juntamente com duas ou três laranjas e algumas nozes, os pássaros nas oliveiras infelizes com a chuva que prometeu cair no algodão dos barcos regressados dos poemas reescritos pela mão do palhaço

- Amo-te dentro das amoreiras das telas enfeitadas com lacinhos de hortelã e os uivos dos teus braços abraços pela mão do palhaço, o Mussulo desenfreado

O palhaço do homem de vidro nos lençóis de iodo à espera dos uivos apitos emagrecidos dos esqueletos com duzentos e seis ossos, na areia finíssima que o Mussulo deixou abandonado no rio e eu, eu via-te sentada na esplanada de Belém com o chá e as torradas disfarçadas de mendigos africanos descendo a avenida Almirante Reis, pensão Dona Xica às putas recheadas com pigmeus clandestinos, o palhaço está doente, feio, o palhaço procura incessantemente a amargura fictícia dos pequeníssimos cigarros, o Mussulo desenfreado na secretária sem alicerces, amo-te dentro das amoreiras das telas enfeitadas com lacinhos de hortelã e os uivos dos teus braços abraços pela mão do palhaço, o Mussulo desenfreado nas tuas mãos, e eu, e eu entrava dentro do mar com pintinhas encarnadas, e no entanto sentavas-te nos meus joelhos de vidro, as janelas da paixão, e o cata-vento adormecia dentro de casa

- E digo baixinho que ontem, uma semana qualquer do passado longínquo ouvi pela primeira vez a palavra amor prenunciada pela gaivota de quatro ventos e três sandálias de couro, o papagaio de papel alimenta-se da tua misera, duas horas de cansaço mútuo aos teus abraços de aço que o lume à lareira do ciúme desenhava as insignificantes estrelas amarelas,

O palhaço está doente, e do chapéu de xisto nasce a canção de amar, o palhaço inventa e desenha nas areias do Mussulo carícias com sombras de mangueiras, o triciclo está doente, o menino chora a partida do palhaço, o palhaço está doente quando às tuas mãos chegam as palavras escritas em papel de fim de tarde, o menino chora, doente, emagrece as arcadas circunflexas da paixão perdida no oceano deserto de areia, morreste, dormes incessantemente a morte que a noite semeia na seara do vento,

- Amo-te pela primeira vez quando abro a janela e tu sentado nas rochas que o silêncio construía com os meus sonhos, e eu, ouvia-o, ouvia-te, e eu escrevia nos vidros dos sonhos Amo-te tanto, tanto, noite clara de Outono,

A morte que a noite semeia na seara do vento, o menino chora, o menino doente, o palhaço está doente, que o a mar levou para longe de ti, servem-se na esplanada de Belém torradas e café com leite e sinto-o, sinto-o sentado nos meus joelhos de vidro.

(texto de ficção não revisto)

Palavras de dor


Há coisas dentro de mim estranhas
assim
estradas pontes tectos sem madrugada
há coisas assim em mim dentro estranhas
entranhas palavras de dor
sofrer sofrendo o amor de amar uma flor
assim
coitado de mim
sofrendo sofrer amar
amando
as raízes do teu jardim
pontes estradas nas entranhas vidas sofridas,

amadas
palavras malvadas dentro de mim
há coisas dentro de mim estranhas
como as luzes que a noite desenha
no térreo pavimento da paixão
a dor
amar amadas as palavras sofridas
as vidas
as horas
todas
as janelas em gemidos sibilados os sofridos jardins entre os parêntesis
entranhas elas todas quando crescem em ti as flores sem destino...

timidamente
belas.

(poema não revisto)