Gosto muito de ti Digo-o
todas as manhãs quando percebo que o meu pequeníssimo cubículo de
madeira não tem um espelho, e seria tão fácil para mim mulher de
muitos ofícios construir um, adquiria o recipiente de plástico numa
qualquer feira de aldeia e simplesmente água límpida da chuva, e
sei que aparecerias com os lábios desenhados em beijos de amêndoa e
com mil sorrisos de girassol, depois de eu escrever nas sílabas do
tecto as palavras mágicas, e no entanto, a minha preguiça é mais
forte que o meu desejo, e imagino-te sentado junto ao Tejo a desenhar
flores nas sombras da noite, imagino-te junto ao Tejo a contar os
barcos que entram, imagino-te junto ao Tejo a contar os barcos que
saem, não falando nos que se afundam por falta de alimentos,
- As gaivotas dos teus
seios quando o vento transporta as sementes dos silêncios cobertores
que a alvorada come sem perceberes que do outro lado da rua há uma
janela amarela com cortinados de papel com tons de acrílico, o mar
vive na criança que choraminga ao acordar, na lâmpada de néon que
não se cansa de acender, e não se cansa de navegar, e nunca se
extingue na saliva do prazer,
Gosto muito de ti,
- Digo-o toda as manhãs
antes de acordar, saltar solenemente da cama de cartão e olhar o
espelho invisível que irei construir com a água límpida da chuva
que irá descer do céu, um dia, uma qualquer hora sem destino
marcado, as tuas mãos entranhar-se-ão no meu pescoço de malmequer
e pedacinhos de mel, saborearei a tua língua de uva doirada na minha
boca infinita que o xisto esmigalha nos arcos circunflexos da
montanha ate que o rio entre no teu corpo e desapareças nas finas
estrelas de silício,
Gosto muito de ti Digo-o
todas as manhãs de sábado e saboreio a poesia mágica Moçambicana
da antologia submersa na prateleira que os teus olhos de feiticeira
iluminam, e hoje foi sábado, e hoje nenhum barco entrou, saiu ou se
afundou, adormeci na cadeira da saudade sem me dar conta das palavras
suspensas nos loiros cabelos do fim de tarde, o Tejo é assim, o Tejo
é uma mulher em desejo e que dança ao som das garrafas de vodka de
um qualquer bar plantado numa qualquer cave, sombria, húmida a terra
doente onde deitas as mãos depois de acariciares as plantas que
adornam a varanda sobre Lisboa,
- As tuas coxas de vidro
Gosto muito de ti,
- Na imensidão longínqua
que o oceano engole nas madrugadas (e nunca se extingue na saliva do
prazer) as coisas belas que o amor pinta na tela da simplicidade da
arte abstracta, as tuas coxas de vidro nas manhãs bíblicas das
orações da dona Arminda, os teus seios guardados escrupulosamente
no interior de um livro de poemas (e como eu queria ser o livro de
poemas de AL Berto onde guardo os teus seios gramaticais com rimas
abraçadas às infinitas caravelas que o teu púbis absorve), e vi
acordar a lua nos olhos cerrados dos peixes, das plantas, e dos
animais vestidos de literatura,
Gosto
Muito
Gosto muito de ti antes
que termine a noite e os dias se transformem em cinzas de azoto,
gosto muito de ti sem me preocupar com as horas engasgadas do meu
relógio de pulso cansado, que novamente seja sábado, e a antologia
de poesia Moçambicana “Nunca mais é Sábado” se abra na tua mão
de vidro, também de vidro, as tuas coxas,
- De ti.
(texto de ficção não
revisto)