Despeço-me de ti
Enquanto o meu corpo é desventrado através da mão da paixão
Cada pedacinho catalogado
Cada sombra desenhada na penumbra das imagens da loucura
Sou eu
O teu sonâmbulo beijo
Que as árvores comem ao pequeno-almoço
Sinto-me um pássaro nos teus lábios
Um rio descendo os teus seios mergulhados na poesia minha
O imbecil
Sou eu
Recordando sonhos das tristes tempestades de areia
O miúdo dos calções
Das sandálias…
Junto ao mar esperando o teu regresso
Leio os livros que escreveste na escuridão
Com uma esferográfica de cartão
Copiando as madrugadas num caderno negro
Quadriculado
O quadrado
A esfera omnipotente da sensação de estar só
E acredita
Estou só
Só hoje
Amanhã… amanhã não
O dia aparece no meu olhar vestido de sono
Pareço um palhaço brincando num quintal longínquo
Lá longe
Das fotografias aprisionadas numa estante vazia
As personagens invisíveis da minha infância
Descendo a calçada de bicicleta
O medo de
Perder-me
Perder-te
Ou amar-te
Tanto faz
E acredita
Estou só
Despeço-me de ti
Escrevo as minhas últimas palavras
Ofereço-te a minha última fotografia
Nunca tive irmãos irmãs…
Nunca tive um País
Uma Nação para com quem conversar
Sou um apátrida
Nasci no mar
Sou filho de ninguém
E apelidaram-me de… vejam lá só… J O A Q U I M
Quim para os amigos
Senhor Joaquim para os desconhecidos
E Quinzinho para ela…
Que tédio
Nervos
Euforia de estar só neste compartimento de vidro
Não tenho cortinados
Primeiro andar
Ou escadas de acesso ao sótão
Sou um triste
Nasci no mar
E acredito que a morte é um amontoado de sonhos com acção de
despejo
Tudo penhorado
A vida
A morte
Assim-assim
O dia
A noite
Assim-assim
Tive um cão de nome REX
O meu melhor amigo
Ciumento
Doentio
E às vezes… traz
Dedo para o “caralho”
Fico só
Eu e ele
A dor
O sofrimento de uma noite de Dezembro
Confesso
Não gosto do Natal
Nunca
Nunca gostei
E hoje
E hoje tenho saudades do Natal…
Porque me despeço-me de ti.
Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 2 de Dezembro de 2015