quinta-feira, 28 de março de 2013
quarta-feira, 27 de março de 2013
(enlouqueces-me?)
foto: A&M ART and Photos
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Escrevo-te, sabendo que não tenho papel, caneta,
nem a vontade de o fazer, mas dentro de mim, escrevo-te, desenho
letras na sombra do meu cabelo projectada numa mesa deserta, só,
como a cadeira onde me sento e imagino-te no meu colo, e imagino-te
com a cabeça deitada sobre o meu peito ofegante, como a ribeira a
descer a montanha, entre pedras, arbustos e espantalhos de palha,
entre pássaros e vontades de voar, sinto-te dentro do meu corpo como
um ácido que me queime e aquece e faz mergulhar na penumbra dos teus
olhos, tu
Enlouqueces-me,
Cresces como uma alga dentro do meu púbis,
pintas-te de preto quando a noite entra pela janela e poisa sobre a
secretária onde poiso os meus cotovelos, onde dormem as aranhas e os
desejos, onde guardo religiosamente o líquido derramado dos meus
seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como tu, ou
como eles, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,
Não vens, hoje?
Há
(enlouqueces-me?)
Há uma porta blindada com acesso para o telhado, o
telhado é assente sobre barrotes de madeira apodrecida, diria mesmo,
do Século XIX, e mesmo assim adorava esconder-me no local mais
distante do prédio, no local mais quente, quando era verão, e o
mais frio, quando era inverno, e mesmo assim passava lá eternidades
misturadas em horas, que tempos depois transformavam-se em tardes, e
depois, em dias
Não vens, hoje?
E tempos depois em semanas, e meses, e anos, e por
lá fiquei até apodrecer juntamente com a velhice da madeira, quase
morta, abria o postigo, e ao longe ouvia o silêncio das árvores, o
bater de ramos dos pássaros negros, que ao cair a noite se perdiam
nela, e tu
Eu, eu esperava-te, eu sentada numa cadeira de
madeira com os braços e cotovelos assentes sobre uma velha mesa de
madeira, assente sobre um soalho rabugento e quase sempre constipado,
e tenho a certeza que há
(dias, dias e noites travestidos de barrotes de
madeira apodrecida, escondia-se lá, até que chegava o mar e o
levava para longe, e ouvia-se o ressonar das folhas das árvores de
cartolina, e ouviam-se os sorrisos dos pássaros negros, em frente ao
espelho do guarda-fato, fato e gravata, sapatos pontiagudos, lenços
de papel), e ouviam-se-lhes
A certeza que há tristeza nos teus olhos de
diamante adormecido, a porta blindada, e do outro lado de lá, eu cá,
sinto-o, imagino-te sentada numa simples cadeira de madeira,
descalça, tens os cotovelos suspensos sobre a planície da madeira
envelhecida, e disseram-me que é lá que guardas as pulseiras de
vidro, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardas
religiosamente o líquido derramado dos teus seios de xisto, como o
rio para onde se dirige a ribeira, como eu, ou como vós, que
dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,
Não vens, hoje?
E ouviam-se-lhes os gemidos dos pés sobre o soalho
húmido que as palavras trouxeram das docas embriagadas com os
cigarros embalsamados e que ainda hoje vivem no mausoléu da
ignorância, tínhamos
Tínhamos o que, meu querido?
Há
(enlouqueces-me?)
Não vens, hoje?
(tenho medo de me apaixonar por ti)
Claro que vou, é só sair do sótão, descer as
escadas, e logo, logo, e logo estarei sentado no teu colo...
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Hoje é dia de festa
foto: A&M ART and Photos
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Esta varanda que me alicerça o corpo às marés
vazias, este ar e esta sensação de silêncio, que aprisiona os meus
braços ao vento filho da rua das traseiras, este medo, esta manhã
distante das estrelas complexas do nocturno céu da tua boca, uma
janela, e
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Esta varanda que me aperta o coração, sabendo eu,
que há muito deixei de ter coração, cabeça, prazeres, solidões
de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os
actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância
semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um
dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os
pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e
começa o espectáculo
A vida de uma mulher de veludo, encenação de mim,
e direcção de actores, também de mim, a tenda levita de quando em
quando, saltita como seios roxos com pintinhas brancas e flores
amarelas, e dizem que o mar entra pela porta da varanda, ela submissa
na chávena de café olhando pensativamente a rua em ruínas como
gaivotas órfãs pedindo esmola no cais das camélias abandonadas,
(solidões de tempestades ao romper a madrugada num
cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de
circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei,
mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na
plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em
círculos no palco, e começa o espectáculo)
E começa
O
Circo,
E começa
O
Teatro,
E começa o espectáculo dos pratos vazios sobre uma
mesa de vidro, ela, a mulher de veludo, refugia-se na varanda da
vergonha, bebe café e aquece as mãos com o medo da fome,
inventam-lhe alcunhas, e obriga-se a submergir-se nos oceanos dos
pilares de madeira depois de o vento abandonar as crianças e os
idosos..., na esplanada dos olivais encalhados na serra do
desassossego, há um rio doente, rio que sobe as escadas, e leva a
mulher de veludo, e leva o corpo de uma mulher fingindo alegria
Viva a alegria, Alegria, Alegria, Hoje é dia de
festa,
Meninos e meninas,
Senhoras e senhores,
Respeitável público..., A senhora de Veludo!
E os cortinados mergulhavam na solidão, e havia a
tristeza disfarçada de fome, quando os pratos vazios, e os talheres,
e os guardanapos..., voavam entre paredes da cozinha,
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Na varanda,
E não regresses, eu a ouvi-los, os pássaros nas
plataformas sobre as ruas em obras, telefona-me tá, e claro que não
tá, nunca esteve, nunca estará, vestida, forte, de pé como uma
estátua de bronze, pensava eu, na varanda, nua, uma janela em
gemidos quando alguém tentava encerrá-la..., e claro, quem,
digam-me, quem gosta de ser encerrado? Digam-me, quem gosta de ser
aprisionado? Ninguém, ninguém, ninguém havia quando a terra
começou a tremer, ela aos poucos, como pedaços de papel,
desmoronou-se, de
Pedaço em pedaço,
De
Letra em letra,
Até chegar a palavra, chega, basta...
Fim.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Corpo Moliceiro
A&M ART and Photos
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A loucura das rochas frias e escuras
entranhadas no meu corpo moliceiro
procura a chuva que acompanha o vento
e navega sobre os telhados da aldeia,
Esta frieza grande corrida da paixão
este cansaço
esta tristeza
que a noite deixa cair sobre o meu
cabelo sonolento,
Fingir que amo as ervas orvalhadas dos
oceanos invisíveis
caminhar sonhando voar sobre as nuvens
de vidro
e que nada tenho
percebendo que os abraços morreram
entrelaçados no meu pescoço,
A loucura das rochas escura e frias e
solitárias
onde me sento e adormeço e finjo viver
não voando não amando os versos do
mar
não tendo as palavras a culpabilidade
de existirem na minha mão.
(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 26 de março de 2013
A banheira insónia da paixão
A&M ART and Photos
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Imaginava-te uma sombra de luz rodeada por leões e
cavalos e abelhas, imaginava-te selvagem como as acácias do madrugar
vento da cidade pintada de amarelo, imaginava-te hirta, morta,
abandonada, numa tela de prata com fios invisíveis de chocolate e
café depois do jantar, imaginava-te sentada numa pedra com cinco
esquinas, três andares, e uma cave
Uma casa de banho e uma banheira, uma janela para o
quintal da vizinha, velha e rabugenta, imaginava-te sentada na
banheira a confidenciar segredos às pétalas de água em gotas
minúsculas, e lá fora habitavam as grandes nuvens de tédio,
brincavas com a espessura do sonho, e fechavas a mão no meu peito de
xisto,
Imaginava-te no espelho da cave abraçada ao
piaçaba, e teias de aranha, e o soalho em decomposição,
imaginava-te o putrefacto esqueleto das flores apaixonadas pelos
olhos do leão, e com sorrisos construídos em mentiras e finais de
tarde imaginários, brincavas com o cavalo e com as abelhas, como o
fazias em criança, e como o fazíamos enquanto amantes por
correspondência, um curso suspenso no tecto da noite corpuscular,
uma menina de celofane embrulhada em relógios a pilhas, e tudo
quando depositávamos os pertences mais secretos num armário
incorrecto, em pedaços de lixo, sem porta, como as lareiras de
trás-os-montes
O frio silêncio em meus braços,
Imaginavas-me sentada na banheira, olhava a torneira
e sentia o vazio da água a correr, imaginava-te como um rio, entre
pedras e curvas, até que ao longe, da janela, sabia que encontravas
sempre, que encontravas o mar, mas hoje, hoje percebo que perdeste-te
nas imagens brancas de uma cidade inexistente, uma cidade sem casas,
uma cidade com fome, sem amor, e eu, parva, imaginava-te a subires os
quase cinquenta degraus, ouvia-te o pulsar do coração, ouvia-te a
voz pregada ao corrimão e quando batiam à porta
Ele está?
Mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como
quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações
e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes
que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais
dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso,
uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as
horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar
A praia, o mar em decomposição, as janelas do
ciúme às portas da ruína, os automóveis procurando alimentarem-se
de saliva, beijos e outros pequenos organismos, sempre, vivos,
A imaginar do longínquo campo de trigo, um corpo,
nu, deitado entre a terra e as pedras ao redor da eira, o canastro
dorme com as espigas de milhos colhidas no ano anterior, às vezes,
desaparecia e escondia-me lá dentro, deitava-me em cima do milho e
imaginava-te
Nos teus braços, lábios,
Imaginava-te sobre mim como as pequenas sombras de
luz que as fendas das ripas construíam nas doiradas espigas, pedia
que começasse a chover, e o sol fazia de mim um boneco cansado, um
boneco de palha seca, e um chapéu com três ou quatro buracos,
estava de pé e encontrava verticalmente com a ajuda de um cabo da
piaçaba,
Na cave, entre teias de aranha, imaginava-te
mergulhada no círculo trigonométrico e traçava ângulos no teu
peito, calculava a tangente três meios de pi, e entre os teus seios,
sabia que dois triângulos rectângulos brincavam como duas mãos de
milho, seco, dentro do espigueiro, com ranhuras de luz,
Nos teus braços, lábios, a carlinga pesadíssima
poisada nas pedras abandonadas das tardes encobertas, pedíamos sol,
e tínhamos chuva, pedíamos beijos, e infelizmente, nunca tínhamos
beijos, nem água, nem a banheira para ela brincar, imaginava-lhe uma
banheira e imaginava-a sentada à beirinha como se estivesse dentro
de um barco a remos a olhar distraidamente os finos papeis de
esperança onde escrevíamos recordações com marisco, bebíamos
cerveja e sonhávamos com papagaios de papel sobre o Céu, logo pela
manhã, mesmo antes de acordarmos,
E acordávamos ressacados, dávamos conta que não
tínhamos banheira, o pequeno barco a remos encontrava-se estacionado
junto ao contentor do lixo e a janela da casa de banho, onde eu a
imaginava sentada esperando pelo meu regresso, nunca
Existiu,
(tínhamos medo da solidão, comprávamos cigarros
avulso e líamos os jornais da semana anterior, tínhamos alguns
livros que íamos vender para comermos, e um dos teus cachimbos
queria fugir, tentou cortar os pulsos com um isqueiro, não o
conseguiu, não teve coragem para o fazer, e, mentia-lhes e
dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de
fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela
inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez
que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens
apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca
procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas
sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar)
E imaginava-a, sem roupa, dentro da banheira com
espuma de Primavera.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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