domingo, 24 de março de 2013

Fingidas tristezas

A&M ART and Photos

Fingias tristezas
no planalto imaginário das palavras incompreendidas
desenhavas as árvores e os arbustos que a despedida levou
quando regressou a tempestade de areia
e o teu corpo permanecia absorto ou morto ou simplesmente infinito,

Perdido nas íngremes amargas letras vermelhas
imagens a preto-e-branco projectavam-se-lhes como dentes de marfim
em crocodilos de madeira negra
húmida
também ela ausente da Primavera tarde que o silêncio amanhava,

E hoje
ninguém
coragem
ninguém o apanha do cinzeiro vestido de abelhas flutuantes
quando me escrevias insignificantes palavras desconexas,

Velhas
cansadas
mentiras de anda
como as madrugadas de cimento
e a marmelada caseira,

Minhas manhãs de nada
ou nada sabendo que não estás nas fingidas tristezas
de livros ou papel amarrotado como as lanternas da solidão
e que sim que simplesmente levitou
às mágoas uivas maçãs do prazer...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Um carrossel de vinho dentro de um corpo preguiçoso

Deixaste-me uma simples caixa de sapatos com alguns dos meus segredos, os poucos sonhos que sobejaram da grande viagem aos montes das pedras mortas, nenhum sobreviveu, nenhum conseguiu atravessar a ponte espacial, o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu
Percebia,
Que
Que um carrossel de vinho girava dentro do meu corpo preguiçoso, e sabia-o, sabia-o nas traições murchas palavras que as flores deixavam cair quando o vento era muito, regressávamos às tempestades de suor, e diziam-nos que o barco com asas de íris tinha mergulhado num buraco espesso, escuro, fundo, cinzento, que
Percebia,
Que este carrossel tinha cadeiras de madeira presas a correntes, que este carrossel rodava em torno de um veio de aço com duzentos e seis ossos, trinta e dois dentes de marfim, e um par de unhas de gel,
Irra? Vinte Euros por isso...
Compravas dois livros,
Mas mamã, com as unhas de gel fico lindona, e com os livros... quem me vai ver com os livros, e mamã... para que me servem os livros? O que eu preciso é de um homem rico, como o teu, que paga todas as nossas contas, Contas?
Sim, um, dois, três, quatro, cinco vezes três, vinte e cinco a dividir por três, o cosseno de três pi radianos..., ou que nos revolva a raiz quadrada de três mil quinhentos e quarenta e cinco, vês? Contas, o que nós precisamos são de contas pagas, com a respectiva factura, Factura?
Claro, factura,
E Fatura?
(Não, chinês não saber o quê fatura)
Numa simples caixa de sapatos, sonhos, berlindes, fotografias a preto-e-branco, bonecos, vestidos para os bonecos, tudo, tinha lá todos os meus pertences, e agora?
Nada, perderam-se as fotografias, agora são a cores, não gosto, odeio, e detesto,
Berlindes?
Rebuçados de água e açúcar, mangas ao final da tarde, chovia-nos no quintal porque a lona da tenda com alguns problemas de sonorização, e pelas ranhuras entram sons externos ao espectáculo,
Sons? Não era a chuva?
Também, também, e quando era em demasia transbordava da caixa de sapatos, e hoje, abro-a, e olho-a, e sinto (o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu), e sinto as cancelas da noite a encerrarem-se depois de ela me despir e deitar,
Eu sonhava,
Ela desesperava,
Eles,
Cruzavam os braços em direcção ao pôr-do-sol, e como o correio, só tínhamos pôr-do-sol duas vezes por semana, e quanto a marés, essas, apenas três ou quatro vezes por mês, e mesmo assim, éramos tão felizes, e mesmo assim éramos as gaivotas embalsamadas que, também elas, só apareciam dez vezes por semana, quando acordava o dia e quando a noite desaprecia
Em ti,
Como ainda hoje desaparecem todos os meus berlindes de chocolate, como ainda hoje
Em ti,
Barcos de papel perdem-se no oceano teus seios de amêndoa, flutuam como algas em desespero, levantam voo, abrem as asas, e caem sobre as madrugadas filhas dos cortinados de Inverno, barcos, perderam-se, no
Teus,
Oceano,
Seios de papel que as gotinhas da chuva deixam ficar sobre as pétalas mortas, eu inseria a moeda na ranhura, ele devagarinho começava a girar, e eu, aos poucos, sentia-me envergonhado, redopiava, e de vómitos suspiros, girava e girava e girava..., até que terminadas as voltas, e a duração da moeda, estonteante, cambaleava, e ela ia buscar-me ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu
Percebia,
Que,
O carrossel tinha cessado os seus movimentos dentro do corpo dela., como o mar, quando desiste de viver e suicida-se contra os rochedos dos sexos recheados com insónia.


(texto de ficção não revisto; qualquer coincidência com a realidade é pura ficção)
@Francisco Luís Fontinha


P.S.
(mamã, parti uma unha..., ai minha filha, valha-nos Deus, valha-nos..., porque se ele descobre, se, amanhã, podes ter a certeza que estamos sentadas no passeio junto à Marilú, a pedirmos esmola, e depois, mamã, quem nos vai fazer as contas? Talvez, ai... valha-nos Deus, talvez nos apareça outro palerma bom em matemática).

sábado, 23 de março de 2013

Negros pontos de Solidão

foto: A&M ART and Photos

Roubaste-me a noite e os espelhos do meu quarto nocturno
transformas-te as luzes em pontos negros de solidão
suspensos em árvores de Primavera
e sempre que uma janela se abre
um cinzento silêncio entranha-se em ti,

Nunca percebi quem eras
e de que material eras constituída
nunca percebi se eras de pedra
ou de água sangrenta
dos rios doentes quando morre o luar,

Havia um cigarro suspenso no teu olhar
quando o comboio para Belém desprendia-se do Cais do Sodré
e navegava entre esplanadas e pasteis
e putas
e chavalhos endiabrados como cavalos de batalha,

Entravas na água salgada pelos ventos em rochedos de insónia
e um imaginário corredor de prata
sombreava-te as nádegas e as coxas e os seios
que a areia desenhava
e o mar engolia como morcegos dentro da gruta húmida da tempestade,

Havia sempre noite
e sabia-te ensanguentada nas mortalhas dos orgasmos infindáveis
que os poemas de AL Berto provocavam em nós
olhávamos o rio e os barcos e a outra cidade
quando se encolhia na neblina dos fins de tarde,

E os cigarros morriam nas flores dos jardins em plantio
às palavras pedíamos perdão
e sílabas de sabor adocicado como as mulheres que dançavam sobre as mesas da noite
desciam em cordas de suor
até encontrarmos os beijos prometidos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Borboletas Mecânicas

Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas, mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem, mas afinal
Aram apenas os sons metálicos das borboletas mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade, e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte, também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando gritamos, quando acordamos, quando
É domingo,
Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim
Um dia vou experimentar,
As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas, e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua, simples, tão simples, que
À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com esta, elas adormeciam
Acreditas em árvores de pêlo comprido?
Eles não vinham, já o sabíamos, e não era preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta, sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não
Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa, vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no planeta terra, e um dia
De pêlo comprido?
Não,
E estúpidamente acreditava em árvores, e estas acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,
E juro,
Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo, parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez envergonhada, mas
Sim, Domingo,
(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim)
Um dia vou.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha