Todos os dias chorávamos
as lágrimas ensonadas da madrugada; talvez um dia, depois de acordar, escrevam
as minhas memórias numa lápide quadriculada, feia e rabugenta. Quando olhava
para as estrelas, quase ao regressar de ontem, observava o silêncio emagrecido
do crepúsculo e, toneladas de pássaros voavam em direcção ao silêncio que
habitava naquele casebre de aldeia, junto ao rio,
Vomitava palavras durante
o desfile de barcos e carros de brincar, sabia
Depois do rio,
Nada, desde que abracei
aquela velha árvore, enquanto uma enxada preguiçosa laborava nos socalcos em
xisto que alguém, muito importante, desenhou na alvorada.
Sabia que havia um túnel
de vento e que o meu corpo era testado aerodinamicamente, como se eu fosse um
corpo suspenso no amanhecer,
Provavelmente, eles
mentem-me
Não o sabia, desculpe o
meu silêncio.
Deus enganou-se quando me
estavam a fabricar, queixava-se ele todas as manhãs ao acordar. Perdeu a cabeça
e, um certo dia, ao final da tarde, em frente a um espelho de néon, deu-se
conta
Uma pedra!
E atirou-a contra o túnel
de vento.
Sabia que depois do rio,
Deus tinha construído um corpo emagrecido pela poesia, que os pássaros que
viviam na sua mão, meia dúzia deles, eram apenas desejos desejados dos beijos
ejaculados na boca do prazer,
Gemia,
Gritava-lhe
Olha os pássaros.
E matou todos os
pássaros.
Detesto-os, segredava-lhe
ele quando abria a janela e, num sufoco de espuma, alguém lhe trazia o mar e,
do mar, aparecia a mulher mais bela da montanha do desejo,
Desejava-a,
Até que
Todos morreram de fome.
Naquela tarde de Outono, quando da vindima, percebeu que apenas sabia porque
Deus o tinha construído; apenas para sofrer, pensava ela, e de tanto sofrer,
partiu como partem as gaivotas antes da tempestade.
Tinha a esperança de
encontrar um número que fosse primo do vizinho e filho do empregado da
esplanada, em frente à sua sombra.
Na algibeira transportava
o número treze, só, sem mais ninguém e, um certo dia
Evaporou-se na neblina.
Toque as cornetas
Que Deus vai construir
O número treze.
Deus, que também se
engana
Construiu o número trinta
e um,
Deitou-se ao terceiro dia
E, morreu incinerado nas
mãos do vizinho
Do trigésimo quinto andar
Antes do sótão.
Porque me dizes que
amanhã é sábado?
Porque amanhã é sábado.
Porque amanhã nascerá o
número quatorze
Cesariana
Coisa simples
Coisa de nada.
Coisa de loucos,
Dirás tu.
Toque as cornetas
Que Deus vais construir
O número treze.
E, quando demos conta
Deus em vez de fabricar o
número treze,
Não
Enganou-se
E, apareceu-nos a raiz
quadrada
De seiscentos e vinte e
cinco; merda.
Onde está o treze, pá?
Tanto faz, responde-nos
Deus.
Tanto faz…
E, olha!
Olha?
Preciso do treze,
Vai à merda, diz-me Deus.
Vai à merda.
(e antes de se retirar,
Deus diz-me:
Calcula a raiz quadrada
de seiscentos e vinte cinco
Subtrai-lhe doze e ficas
com o treze,
Burro de merda).
Ainda bem que Deus sabe
matemática.
Ainda bem; um dia.
Toque as cornetas
Que Deus vai construir
O número treze.
Ao cair a tarde, ela, depois
da visita ao jardim, quando entra em casa, depois de subir treze degraus,
percebeu que ele transportava na algibeira a medalha com o número treze e,
acreditem, nem eu nem a minha mãe
Percebemos porque trazia
ele a medalha com o número treze, mas
Acredito que foi Deus que
lha deu, um qualquer dia, em Luanda.
As certezas são poucas, o
corpo embebido em sombras de granito e, na lápide
Eterna saudade de seu
filho.
Uma carta de despedida,
nem isso teve coragem de deixar em cima da mesa-de-cabeceira.
Fez amor com o desejo,
puxa de um cigarro, vai à janela e,
Foda-se.
Esqueci-me da medalha com
o número treze dentro do livro de AL Berto.
Desenhava o poema, abria
as pernas e,
Voava, voava, voava até
que morreu de sono.
Tristeza, esta,
queixava-se quando acabava de fazer amor.
Sempre o desejo. Maldito
desejo este, transportar uma triste medalha com o número treze.
Até breve, meu filho.
Até, meu pai. Até.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 10/09/2021