domingo, 6 de setembro de 2020

O livro

 

O sono. Construído sobre o teu corpo

Em cerâmica, veste-se de humildade,

Vive despreocupadamente na penumbra da noite,

Até que todas as luzes da ladeia se cansam,

E, também elas vão dormir na tua mão.

A saudade. Habita em mim o silêncio

Das tuas palavras, imagino-te pegando em mim,

Ao longe, depois de todas as sanzalas acordarem,

Depois de todas as palhotas lavarem o rosto nos teus cabelos.

O mar. onde te deitavas. Dormias como uma andorinha vadia,

Sentavas-te nos rochedos da sombra,

E, brincava com os meus calções recortados dos trapos abandonados.

Os sapatos. Não gosto deles.

Luanda. Ontem, lá, era feliz.

O hoje. Cidade esquecida no Oceano. A garganta vomita palavras

De ninguém, escritas na areia húmida da manhã,

Saltando de barco em barco,

De maré em maré,

Até que chegue o cansaço.

A noite. Agora. Apenas eu e, tu.

Todos os planetas morrem depois de acordarem, chove.

Chovem estrelas de falar.

A palavra. O livro.

Mais nada.

Mais nada, meu amor.

Apenas em mim, a loucura.

E, tanta saudade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 06-09-2020

sábado, 5 de setembro de 2020

O fugitivo de Deus

 

O fugitivo de Deus.

Quando o corpo se esconde na esplanada da saudade,

Ele, só, acredita que todos os pássaros são em papel colorido,

Imagens prateadas nas mãos de Deus; sobe a montanha, meu querido filho.

O mar.

Todas as rochas estão suspensas no poema,

A mão de Deus, moribunda, confunde-se com a alegria de viver,

Quando se ama, a paixão, filha de Deus, absorve todas as palavras do poema.

Ontem.

Uma fina lâmina de luz, a boca de Deus entre gritos e abraços,

O silêncio da espuma dos dias,

Entre corpos cansados,

E, o fugitivo de Deus.

A montanha.

Argamassa da planície, floresta inversa à paixão,

O sítio escondido, onde habita Deus, amanhã, hoje,

Sinto-me como uma pedra que voa, tem asas, tem alegria,

Vida, palavra, livros e nada.

A montanha de Deus.

Onde hoje me sento,

Agradeço a sombra, oiço ao longe a fúria do mar,

Desgravada maré dos tristes silêncios,

Junto a Belém, um louco rio, embriagado pelos barcos,

Cacilheiros à desgarrada, canções velozes, vento,

Sílabas da madrugada,

O ácido da noite,

Cansado,

Suicidado pelo poema.

A aldeia de Deus.

A aventura de estar vivo,

O amor quando se abraça a mulher desejada,

Olhando ao longe os socalcos da vida,

Esperando o voo até ao Céu: STOP.

O vinho.

Porque Deus também bebe,

Tem vida,

Agrade-me a escrita, retribuo e, aos poucos, a morte.

Falo-te, hoje.

Conheço-te.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 05-09-2020

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Dos olhos, um simples rochedo de carne

 

Dos olhos cansados,

O velhinho poema esquecido na tua boca.

Traz as amargas palavras,

Este poeta dos olhos cansados.

Quando regressa a noite,

Acorda o girassol envenenado pelo desejo

E, o amor floresce na alvorada.

O beijo evapora-se nos teus seios,

As bocas famintas se alicerçam na noite,

Quando o silêncio vai em busca de uma jangada

E, sei que as tuas mãos semeiam as minhas palavras

Na terra bloqueada pela solidão.

Hoje, o poema é a verdadeira razão de te amar,

Acariciar o teu cabelo

Como quem colhe as flores do deserto.

Dos olhos cansados,

A clareira dorme no teu peito,

Ama-a,

Como quem ama a vida.

Peço-lhe que me dê as palavras que sobejaram dos alicerces nocturnos

Que abundam na cidade perdida.

Hoje, não há poema que me valha…

Porque o amor é fodido

E, a paixão,

Um simples rochedo de carne.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 03/09/2020