quinta-feira, 14 de março de 2019

Eterno chão


Tem uma caneta na mão,

Desenha na sombra da tarde o cansaço da solidão,

Como na despedida,

Ouvindo a canção…

Que o silêncio alimenta,

E tece,

Sobre o chão.

Hoje, não me apetece,

Escrever,

Comer,

Ler.

E senta,

E deita-se na cama sem colchão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/03/2019

terça-feira, 12 de março de 2019

O caderno de geada


O cachimbo suicida-se nas mãos do poeta.

Era noite, caminhava pelos trilhos que a geada tinha desenhado, e na mão, o caderno embalsamado pelas palavras da morte, tinha medo do escuro, tinha medo dos versos envenenados pelo luar, e mesmo assim, caminhava, caminhava,

O cachimbo embrulhado em metástases desesperadas pela fadiga do corpo, do fígado saía o camuflado texto das palavras inventadas pelas crianças da aldeia, às vezes, poucas, tinha fome, e

Fumas?

E, fumava desalmadamente até o nascer do Sol, poisava a caneta sobre a mesa-de-cabeceira, atirava o caderno contra o espelho, sonhava;

Sonhava!

O cabelo que outrora lhe tinha pertencido, fugiu para a praia mais distante, ficando ele, apenas com o usufruto do rio, uma enxada, rangia lá longe, nos socalcos, e, o cachimbo

Sonhava!

E, o cachimbo de mão dada com o caderno, como o amor de duas flores, uma roseira e um craveiro, uma sombra de luz poisava na boquilha, marinheiro agreste dos oceanos enlouquecidos, o falso milagre,

Sonhava…

E, suicidou-se na minha mão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/03/2019

domingo, 10 de março de 2019


As volúpias palavras descendo a calçada, junto ao rio, o mendigo assassina o último cigarro do dia, senta-se junto às escadas do prédio esquelético e com fome, uma brisa sobe até ele, e a vida parece-lhe contente com o aproximar da madrugada,

Todas as pedras à sua volta, choram,

Adormecem as acácias.

Choram com lágrimas de papel amarrotado que o merceeiro deitou no lixo, cobre-se, inventa o calor com lâmpadas de néon…

E dorme.

O néon embriagado pelo silêncio, os dias parecem-lhe horas tardias, doentes, com a mentira debaixo da língua,

E dorme,

As palavras dilaceradas, os livros incendiados pelo teu perfume, e tens no olhar a solidão das flores envenenadas,

E dorme, e dorme, o coração abandonado, por ti, por eles, pela melancolia do dia, e vê em todas as rochas, mesmo as mais pequenas, o sorriso do lobo.

Não estará o mendigo, louco?

E o poeta?

E se a loucura for a sanidade melódicas das palavras ditas?!

Dorme.

O sorriso do lobo, a alegria do mendigo por conversar com o lobo, pois, só este, e mais ninguém, consegue conversar com o mendigo…

É Domingo, dizem eles. Não o sei…

Não o sei, como desenhador de palavras, e, poucas, apenas sei que amanhã nos teus lábios vão acordar as amendoeiras em flores, todas, lindas, belas, elas,

E dorme.

Cansado da viagem.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/03/2019