domingo, 4 de novembro de 2018

A caneta de espuma


Uma caneta de espuma dispara contra mim a bala da saudade.

Traz dentro de si o amor das noites mórbidas,

Que habitam nesta velha cidade.

Embrulho-me no papel amarrotado pelo sonho, escrevo-me como se fosse o último banho antes de partir,

Entrelaço as mãos, e voo em direcção à tempestade,

Sento-me no teu colo,

Pego no teu cabelo sombrio, cor de noite, como as serpentes da minha vida, cansadas de envelhecer em mim…

Sei que os teus beijos são porcelana de açúcar, rosas mortas no jardim da solidão,

Como os teus olhos, negros da saudade envelhecida dos relógios engasgados pelo luar…

Habitas-me,

Habitas-me enquanto eu respirar, e aos poucos, sinto-me deslizar montanha abaixo…

E escondo-me no rio da morte.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Novembro de 2018

sábado, 3 de novembro de 2018


(…)

 

Não, não amanhã, amanhã vou à cidade, deixar o meu cadáver para ser enviado para a Metrópole, uma ardósia no peito, 123768979/66,

Só isso, pai?

Só isso, quando chegamos, nada tínhamos, apenas um caixote de nada, um rio nas veias... e tu

O mar, pai?

Morreu, disseram-me.…, não percebi, morte!!!!!

O que é a morte, pai?

Voar, 123768979/66... em combate, o silêncio do Grafanil, os sorrisos das mangueiras nos meus lábios,

E...

Pai?

Sim, filho, Margarida reaparece da escuridão, tinha como hábito brincar na areia branca da praia dos sonhos,

Mãe, o pai?

Ficção, tudo isto, nada, a dor, acordava de madrugada a gritar por granadas, G3 e literatura, literatura, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda...

Farda, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda... toda a sua estória, as canções de menino, os primeiros beijos,

Margarida?

Sim António...

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 1 de novembro de 2018


(…)

 

A fome dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em esferovite e sonhos, ele

As palavras?

Ele sorria, percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto, morreu...

E nunca, e nunca mais conversou comigo...

António... António amava-o...

Não sei, António, não sei

Regressar, porquê?

Hoje acordei cedo, Margarida embrulhada nos lençóis do Pôr-do-Sol, e lá longe

Cintilações dos minguados beijos nos teus lábios, os seios de cera desenhados nas eternas mesas-de-cabeceira

Louco, ele?

E lá longe, murmúrios e incorrigíveis uísques brincando dentro de um livro, Margarida

Amor?

Amar...

Os homens tinham regressado da faina, olhava-me um barco, tive medo, confesso,

Eu confesso

Tu confessas

Ele confessa,

E confesso que fiquei perplexo, tão triste, tão triste como as flores de Inverno,

A faina, peixe... nenhum, nada, nada ao quadrado vezes seis a raiz quadrada de mil novecentos e sessenta e seis, o pequeno-almoço, as torradas,

Para ninguém, devolvida

Endereço desconhecido,

Ele confessa,

Um galão, escuro,

António?

Sim, amor,

Hoje,

Hoje o quê, meu amor?

Hoje não vou escrever palavras de chocolate...

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó