sexta-feira, 6 de outubro de 2017
Ficavam sempre pendurados nas mangueiras
O vento emagrece os ossos pincelados na Ressonância Magnética, a chuva miudinha alicerça-se-lhe no cabelo prateado do Outono, aos poucos caem as folhas no pavimento térreo das lágrimas invisíveis, aconchega-se contra o espelho suspenso há anos no quarto, e vê a fotografia de um condenado à morte, sofre, chora… e brinca com as pétalas das drageias que lhe envenenam o corpo, os ossos partem-se como veleiros à deriva no Oceano sem nome, sempre só, ele deita-se na cama desengomada e dorme ao sabor da tempestade encarnada, vomita as palavras nocturnas que lhe correm nas veias, e para assassinar o tempo vai até à casa de banho fumar um cigarro,
Escreve “merda” na vida, desenha sombras nas sombras da vida, e tenho medo da partida, o só, o desajeitado das palavras encostado a uma esplanada esperando o engate do final da tarde, lamenta-se,
Lamento-me, não sei o que fazer enquanto os ossos de ontem enfraquecem os ossos de hoje, respira fugazmente, pega nas lâminas da manhã e esconde-se no rio…, lamento-me nos dias em que sou possuído pelo medo, lamento-me quando abro um livro e ela,
Hoje não consigo respirar, as palavras voam como voa o meu cabelo quando os pássaros mergulham na minha mão e adormecem, não consigo, queria dormir, quero dormir, quero brincar no quintal e fazer-te um papagaio em papel, daqueles que eu te fazia,
Lembras-te?
Ficavam sempre pendurados nas mangueiras, entre o Sol e a alegria da juventude, e o vento?
O vento emagrece os ossos pincelados na Ressonância Magnética, e os teus braços abraçam-me na solidão vagabunda do planalto, olho a montanha, olho-me no teu espelho,
E tão velha…, e tão sonâmbula das noites sem dormir.
Francisco Luís Fontinha
06/10/2017
sábado, 30 de setembro de 2017
Carta aos pássaros
O
invisível sono nas pálpebras tua dor, os beijos inventados pelos teus lábios
nas gélidas noites de Inverno, o latido de um cão, solitário, na rua das
traseiras, os teus lençóis suspensos na madrugada, enquanto nas minhas mãos
crescem pedacinhos de esperança, serei capaz de cuidar de ti?
A
serpente da dor…
As
lágrimas envenenadas do teu sangue, as límpidas madrugadas sem destino
camuflada pelo sofrimento, os ossos rangem, o cabelo voa em direcção ao mar, e
longos silêncios de pequenos muros de xisto nos separam, o dia, a longínqua noite,
a claridade das sombras dispersas no teu corpo,
Serei
capaz? As nuvens desencontradas nas frestas do cansaço, as pequeninas sílabas
de dor comestíveis nas nocturnas avenidas do sonho, e o maldito sono embriagado
saltitando de casa em casa, e tu, e tu aconchegada ao meu ombro, sempre
sonâmbula, e embrulhada num cobertor de medo…
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
30 de Setembro de 2017
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