sábado, 15 de novembro de 2014

cacaréus


invento-te nos nocturnos cortinados da insónia
acaricio-te sabendo que não passas de um mísero desenho da minha autoria
não sei desenhar...
invento-te nas noites de água invisível
quando sei que lá fora...
… distante de mim
há uma tempestade de desejo em rotação
calculo o seu centro de massa
calculo o seu centro geométrico...
e descubro que és uma invenção de uma mísera folha de papel
sem odor nem corações
nem beijos

apenas um desenho meu

invento-te nas madrugadas cinzentas
quando todas as luzes dormem
e sonham...
e... e morrem nos meus braços

cacaréus
pedaços de ossos
cabelos teus que deixaste nos lençóis clandestinos de uma pensão sem nome...
e em frente à janela
o rio
a fome

cacaréus
cacaréus
… e cacaréus...

pedaços de nada sobejantes de uma noite em construção
ofegante tu
ofegantes os transeuntes em desalinhado cansaço...
e eu... e eu apenas queria desenhar-te no espelho do guarda-fato

e depois... e depois vestir a gabardina e fugir dos teus lábios
como um louco
sem perceber porque chove hoje...
sem perceber porque choram os pássaros do teu olhar.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 15 de Novembro de 2014

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Paraíso


Significas o quê?
o simplificado destino sem abraços ao cansaço,
se vives... grita,
chora,
constrói das lágrimas sorrisos de criança,
dança,
medita...
significas o quê?



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 14 de Novembro de 2014

Em rebelião


Não encontro a simplicidade do teu cabelo,
sinto-te cansado,
distante das clarabóias da saudade,
habitas esta cidade...
como se ela fosse um abrigo negro,
ou...
ou um poço tão profundo como a tua dor,
não encontro as tuas mãos...
quando me levavas a olhar os barcos,
e me dizias... e me dizias que um dia...
regressaríamos...
sem regressarmos nunca mais,
não encontro a simplicidade do teu cabelo
que a tempestade alicerçou ao luar...
sentado...
imaginas o silêncio embriagado estonteante contra as frestas do sofrimento,
não falas...
nada em ti é vida,
… ou alegria de caminhar junto ao mar,
imagino a tua partida...
e não sei o que escrever... depois,
amanhã,
… ou... ou amanhã ao quadrado...
e dentro de mim... as palavras em rebelião nos cortinados desta triste cidade...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 14 de Novembro de 2014

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Abutre em desassossego...


Tenho pena de ti, meu amor,
trocaste a liberdade por um pedaço de plástico...
um cartão,
um obscuro e amorfo ramo de árvore,
vendeste a felicidade ao diabo,
como se habitasses no interior de uma matriz composta,
insensível...
abraças-te à equação metafisica sem solução
que deambula na ardósia do teu olhar,
disfarçada de abutre em desassossego...
passeias-te pelas avenidas mais chiques de Lisboa,
e no entanto... és tão pobre, e no entanto... és tão imbecil,
como o pavimento nojento dos porcos em revolta...
há dias de “merda”,
dias em que até a lua nos “fode”,
noites tranquilas...
e noites inquietas,
e no entanto... és tão pobre, e no entanto... és tão imbecil,
tenho pena de ti, meu amor,
quando não quero amor,
quando não quero paixões de areia
e marés sem marinheiros,
tenho pena de ti...
e percebo que as palavras são um jogo desonesto,
sem saída, nojentas...
a janela quebrada
ou a pedra no charco da miséria...
tenho pena,
de ti,
meu amor!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 13 de Novembro de 2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O caixão da insónia


As máquinas enraivecidas
como vozes sem dono vagueando no areal
o sexo morre quando regressa a preia-mar e levita o caixão da insónia
um pequeno soluço
uma fina película de vento poisa sobre o corpo dela
e não existem gaivotas nas proximidades
a cortina nocturna do desejo... desce ao silêncio corpo fervilhando
dás-me a mão
e em finíssimos esqueletos de palha voando em direcção ao cinzento telhado de xisto
alcançamos o beijo
desenhado
decalcado nos teus lábios em flor,
as máquinas não sentem nem sabem o significado do “AMOR”
e tal como eu
um exército de máquinas desconhece o significado do “AMOR...
queria ser um barco passeando pela cidade adormecida
deitar-me quando todos acordam...
e acordar quando todos se deitam
levemente e aos poucos
alicerçar-me à minha cama desgovernada
sem nome
sem nada...
queria ser um barco... um barco em papel descolorido
amargo
sofrido
um barco simples
mais simples do que o “AMOR” das máquinas e do exército de máquinas...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 12 de Novembro de 2014