sábado, 20 de setembro de 2014

Esqueleto de xisto


Gostava de caminhar sob os teus desejos
e gritar ao vento laminado
as palavras que não consigo escrever,
desenhar na minha mão os teus beijos
que a madrugada alicerça nos cortinados da insónia...
gostava de caminhar sob os teus desejos
e sentar-me junto ao Tejo
fingindo que sou uma caravela sem marinheiro
fingindo... fingindo que sou um desabrigado esqueleto de xisto.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 20 de Setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

em silêncio


este silêncio que se entranha no meu corpo
como ponhais de areia
um oceano de saudade caminha calçada abaixo
abraçando-se ao rio
beijam-se como dois loucos
encastrados no pulsar da madrugada
este silêncio mata
e consome o desejo de partir
o barco ancorado aos lábios do marinheiro poeta
as cordas castanhas quase em liberdade
como os homens tristes dos bares da velha cidade...
em silêncio...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 19 de Setembro de 2014

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O circo das tempestades


O palhaço da roulote emagrecida,
na porta de entrada está crucificado o número vinte e três,
sem vizinhos para conversar,
o palhaço morre em pedacinhos...
e era feliz se morresse de vez,
silenciavam-se as vozes dos espectadores anónimos,
um punhado de palmas ficavam alegres,
e contentes,
e o circo transformava-se num círculo com anéis de prata falsificada,
há nos seus olhos a desilusão de um tardio amanhecer...
depois do espectáculo, entra na roulote, e acende a lareira da solidão,
e espera, e desespera... o regresso do novo dia,
o palhaço com botas de cansaço,
sonha subir até às estrelas que estão suspensas no tecto da dor,
um poeta também vestido de palhaço... inventa jardins de arame,
e locomotivas em cartão,
sofre,
sofre ele porque dentro da roulote nada mais existe do que a lareira da solidão,
chora,
e ele percebe que a vida é um espectáculo sem abrigo,
um homem desiludido com o circo das tempestades.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 18 de Setembro de 2014

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Baía de Luanda


(Ao meu Pai)


Corre nas minhas veias um enxame de saudade,
percebo pelo espelho do guarda-roupa que existe sobre os meus ombros uma lâmina de silêncio,
procuro nas lágrimas do amanhecer a tempestade da insónia,
e sei que se abrir a janela do cansaço...
um pássaro azul poisará no meu olhar,
sinto-te triste,
amargurado...
desiludido como um soldado,
quando a espingarda lhe é apontada,
e parece que não queres fugir,
apenas preferes ficar sentado...
sentado a ver a Baía de Luanda quando passeavas com uma criança,
e de mão dada...
lhe segredavas,
um dia, um dia meu filho... vamos regressar,
eu, eu olhava o mar, e... e acreditava,
imaginava-me um marinheiro de cachimbo ao canto da boca,
sentia no meu corpo os apitos da paixão,
pela terra,
pelas árvores... pela cidade,
e inventava outros meninos como eu...
que passeavam de mão dada com a saudade,
e desde então... nunca, nunca mais vi a Baía de Luanda!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 17 de Setembro de 2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O pedinte decapitado


Os meus olhos são a prisão invisível do silêncio cinzento,
há no meu triste rosto uma pequenina lágrima de arsénio,
um composto,
submergido no desgosto,
que a tempestade transporta para o oceano de pedra,
os meus olhos são a alegria do pedinte decapitado...
homem iletrado,
que sofre com os solstícios envenenados,
uma parede se escreve,
e uma parede se desenha,
o papel angustiado das minhas palavras torna-se numa pesadíssima forca de luz,
e dos meus olhos... o silêncio cinzento,
e do meu corpo a sibilada melancolia,
o relógio um fantasma com braços de medo,
e eu, coitado, ao lado do pedinte decapitado...
manhã cedo,
o sorriso da morte que bate à porta de entrada do meu peito,
sem sorte, o pedinte decapitado sorri, o pedinte decapitado... dança na eira granítica da solidão,
os meus olhos sempre foram uma prisão,
com grades em pálpebras de azedume amanhecer,
nunca quis pertencer à madrugada,
nunca... nunca quis acordar e abrir a janela da saudade...
estes riscos e rabiscos sem nexo,
estas palavras decepcionadas, más, cansadas,
que a noite mistura na paleta do inferno,
os meus olhos são a prisão invisível da cidade adormecida,
uma cidade sem nome,
e... e esquecida,
uma borboleta que canta e nas horas vagas é pianista,
o pintor apaixona-se pela pianista,
e o pedinte decapitado...
sentado no telhado a construir barcos,
e não percebe que não existe mar...
e que o mar apenas vive nas telas do pintor...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 16 de Setembro de 2014