sábado, 29 de março de 2014

Coração em pedra

foto de: A&M ART and Photos

Ele tinha um coração em pedra, daquela pedra ínfima que alimenta os beijos nocturnos dos pássaros,
vinha a chuva, e viam-se-lhe as perdidas chapas de zinco nos pobres telhados da madrugada,
hoje, ele, hoje ele dispensa o significado da palavra “AMOR”, porque onde a tinha escrito, na folha caduca da árvore tombada, essa, essa... morreu, morreu a palavra... morreu a árvore tombada,
fingiam-se amantes abraçados aos pinheiros mansos no recreio da escola, e sempre, e sempre havia uma janela em ruínas, pedaços de lágrimas que sobejavam do sino da Igreja,
ao longe sentiam-se os feirantes que tudo vendiam, e de nada servia gritarem... “Vendem-se Beijos Embalsamados”, porque de beijos, nada, nem o vento, nem o triste amanhecer na boca dela,

Desenhei-lhe os lábios na esplanada do falso diamante,
escrevi nos seus seios “AMAVA-TE”..., hoje escrevo, não, hoje nada lhe escrevo, porque o amor desaparece e aparece como as sombras dos barcos em movimento,
recordo o púbis coloidal do imaginado olho de vidro, fundeado na minha mão,
a mesma que depois de suicidada, acariciava-te os esconderijos do néon vaginal,
e assim, ele tinha um coração em pedra, e assim... ele dorme sobre as candeias do luar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 29 de Março de 2014

O homem de negro

foto de: A&M ART and Photos

O homem de negro aparece-lhe no sonho de papel,
apalpa-lhe o seio, acaricia-lhe as coxas diurnas da paixão,
ouvem-se os estilhaços de um corpo de porcelana,
um tiro de desejo, e “PUM”... a madrugada morre, e o homem de negro transforma-se em mão,
clandestina,
cinzenta,
o homem de negro é a escuridão,
e do espelho inseminado do prazer vêm os cintilantes corações de prata,
lá fora um letreiro grita “Hoje há moelas”, e a rua veste-se de transeunte mendigo,
e hoje, e hoje a mulher apalpada pelo homem de negro, dorme... tranquila, dorme docemente como as curvas esverdeadas dos olhos das searas em construção,
o homem..., o homem de negro, triste, desaparece quando alguém liga o interruptor do amor,
e um pedaço de aço incandescente poisa no seu ventre...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 29 de Março de 2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

O inútil perpendicular


Sinto-me um inútil perpendicular ao cateto do teu desejo,
sei que através do cosseno do teu olhar, existe vida, sonhos, flores triangulares,
sinto-me uma equação diferencial sem resolução,
uma parábola suspensa nos teus seios de diamante lapidado, ferido pela directriz dos teus lábios,
sei que sim, sei que sou um panfleto embebido na paixão...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 28 de Março de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

o sonho aos teus braços

foto de: A&M ART and Photos

do silêncio habitado que consome o teu cansado perfume
a alga minha suspensa no amanhecer teu
do silêncio amargurado que constrói moinhos de vento
eu oiço os teus argamassados gemidos
tristes

tristes tão tristes que a chuva acorrenta o sonho aos teus braços
do silêncio
o teu nosso silêncio...
o mar que engole os rochedos da paixão
e...

e de nada serve gritar pelo amor das árvores e das palavras
nuas
as tuas
as tuas mãos poisadas em mim
que não pertenço aos teus cabelos de mel


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 27 de Março de 2014

quarta-feira, 26 de março de 2014

Os cadeados invisíveis do desejo


Dizes-me que a noite é uma construção em néon adormecido,
vives pedindo-me palavras, vives... regateando silêncios entre carris de aço,
dizes-me que sou um cadáver embriagado,
triste... triste e sem cansaço,
sem o cansaço pedestal do azoto,

Dizes-me que amanhã não há paixão,
que todos os rios são solitários e casmurros, e... e sem mãos para as caricias do amanhecer,
sinto-te embalada no gatilho do incenso coração,
sem a espingarda neblina teu olhar, sem... sem flores a envelhecer,
e mesmo assim, dizes-me que sou um transeunte envenenado pela solidão,

Dizes-me que sou a tua nuvem colorida,
mas apenas o dizes quando te convém,
dizes-me que na madrugada nua...
não há nada, nada, nem ninguém,
porque me dizes ser eu uma estrela de algodão?

Dizes-me que não entendo os teus lábios em puro cristal,
que sou desastrado, ingénuo... que sou um falhado,
que sou o teu livro do mal...
como petroleiros da insónia esperando o marinheiro apaixonado,
como o triste vagabundo... no Inferno da cidade dos canibais,

Dizes-me que a noite é uma construção em néon adormecido,
pergunto-te se nos teus seios habitam jasmins, amoreiras... rosas encarnadas,
respondes-me que não, e dizes-me que há em ti o sorriso envelhecido,
como gelatina encaixotada nas janelas desalmadas,
e depois, depois... desapareces entre as rochas e os cadeados invisíveis do desejo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 26 de Março de 2014