segunda-feira, 18 de novembro de 2013

cerejas

foto de: A&M ART and Photos

não oiço a tua voz desde que terminaram as manhãs de orvalho
abríamos a janela do sonho
e víamos as acrobacias tontas dos pássaros embriagados pelas nuvens de cerâmica encarnada
havia na nossa mão pedaços de desejo
beijos
e réstias dentadas no teu pescoço deliciosamente belo e doce
como as cerejas
não oiço a tua voz fotocopiada desde que percebi ser um ultraleve magoado
uma jangada envidraçada
uma porta mal fechada
não te oiço desde que tínhamos pequenos sons melódicos em vasos de cristal
e brincávamos como crianças à volta de uma lareira esfomeada

dizíamos que o Sol era nosso depois de fazermos amor debaixo do candeeiro abandonado
beijos
como as cerejas
os vidros
e as paredes
caquécticas
e às vezes
lá tínhamos de correr em direcção ao mar

versos ancorados
quando no cais de desembarque o murcho sexo do marinheiro escapulia-se pelas frestas da madrugada doentia
em cio
corríamos como loucos vestidos de versos
e palavras sobrepostas como posições de embarque
fodíamos sem saber que o fazíamos
em cio
versos camuflados depois das tempestades de areia
tombarem sobre o teu corpo húmido de alvorada
e beijos
e caquécticas amêndoas brilhavam no teu púbis de Segunda-feira à noite...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013

domingo, 17 de novembro de 2013

o corpo malfadado

foto de: A&M ART and Photos

Inventei o cansaço
o tédio
e a dor
inventei os palhaços em aço
o remédio
e o amor
fui amado
desamado
e dissecado por um doutor
inventei as amendoeiras em flor
os guindastes em movimento
e o vento

(fui filho
sou filho
e continuarei a ser... filho)

inventei o cansaço
o tédio
e a dor
tive palavras reescritas em muros em xisto
sou pai dos profetas falhados
inventei o livro da noite com holofotes embriagados
fui drogado
fui homem deambulando nos silêncios das montanhas amoreiras
fui desempregado
cristão
e baptizado
inventei-me homem e sou um livro sem coração

inventei-me sabendo que tu me inventavas
inventei a palavras que tu me odiavas
inventei o cansaço
o abraço
e os lábios com sabor a mel
tive pássaros com asas em papel
inventei-me dentro de uma nuvem imaginando que me abraçavas
tive tudo
tive tudo e não tenho nada
fui infeliz
feliz
cadeira de esplanada

(fui filho
sou filho
e continuarei a ser... filho)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 17 de Novembro de 2013

sílaba abandonada

foto de: A&M ART and Photos

esta sílaba engrenada das minhas mãos adormecidas
que abraçam o teu rosto mergulhado em sombras e tempestades
oiço em ti as lágrimas das ruelas transparentes que o vento leva
que a chuva alicerça
esta sílaba abandonada
como papel emagrecido das árvores sem sentido
coitadas
quando as ardósias invisíveis do nada
escrevem-se as palavras dos teus lábios de apaixonada
esta sílaba que me enlouquece
e me diz...
meu amor... estarei sempre ao teu lado


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 17 de Novembro de 2013