terça-feira, 3 de setembro de 2013

Essas, essas, não...

foto de: A&M ART and Photos

Não percebo as angústias dos teus braços, é sexta-feira e lá fora chove, e todas as flores do nosso jardim, hoje, hoje não estão, bato-lhes à porta e parecem ausentes, ou doentes... ou preferem não me reconhecer durante a viagem ao inferno dos teus sonhos, tenho portas metálicas que me obrigam a esconder da luz original das madrugadas onde tu
Eu deitava-me sobre os embondeiros dos teus olhos, abrigava-me como pétalas e mesmo assim, sabia que tu
Que eu?
Que tu continuavas a mentir-me, que tu
Que eu?
Que tu continuavas a escrever nas nocturnas meninices com o cabelo apanhado e enrolado sobre os bronzeados comestíveis peixes do aquário que durante anos tivemos na sala de jantar, hoje
Hoje?
Hoje, ontem, talvez amanhã...
Hoje, que... eu?
Hoje, ontem, talvez amanhã... sexta-feira, meia-noite nos teus lábios, o pêndulo tresloucado contra a trave em madeira que sustenta o tecto, do aquário os peixes de brincar adormecem nas mãos deles, e os ponteiros de ti... adormecidos entre as três horas e as três horas e quarenta e cinco minutos, indeciso, não o sei
Desisto?
Não Desisto?
Hoje?
Que tu continuavas a mentir-me, que tu
Que eu sofro porque deixei de observar as estrelas sobre o mar, que eu sofro por
Tu continuas a mentir-me,
Tu
Tu que eu sofro por não adormecer devidamente como as nossas plantas da varanda das traseiras, porque
(Para que serve esta porcaria, saberás responder-me?)
Porque os rios são de seda, porque as árvores são de papel... porque eu
De pano, achas que eu sou de pano?
Talvez de entretela... estranha manhã a tua antes de acordares e me venderes o primeiro e o último beijo do dia, um por dia, trinta e cinco euros, e a vida parece sorrir-lhe até que regressou um veleiro de lá e trouxe a tempestade de abelhas que devoraram todas as plantas
Da varanda das traseiras?
As plantas que não quero, as plantas que não me interessam... e o cansaço encontrou-me debaixo da meia-noite, despeço-me de sexta-feira e entranho-me no sábado...
Normal?
(Para que serve esta porcaria, saberás responder-me?)
Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras?
Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras?
(Para que serve esta porcaria, saberás responder-me?) e
Desisto?
Não Desisto?
Hoje?
Que tu continuavas a mentir-me, que tu
Que eu sofro porque deixei de observar as estrelas sobre o mar, que eu sofro por
Tu continuas a mentir-me,
Tu
E,
… cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não...
… cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não... cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não... cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não...


(não revisto – ficção – Alijó)
@Francisco Luís Fontinha
Terça-feira, 3 de Setembro de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

As três tristes palavras

foto de: A&M ART andPhotos

Balanço-me das tuas tristes três palavras escondidas no disperso xisto que jazem nas tuas mãos como pigmentos coloridos de pequenos animais, balanço-me e esqueço-me, percebo-o agora, não o sabendo, das tuas outras vozes que alimentas o piano de cauda que vive no hospício com janelas gradeadas viradas para o jardim dos doces colares de pérolas, vejo-te passar sobre o alegre relvado onde brincam árvores, pássaros e crianças que ainda não lhes é permitido visitarem os pais, as mães... os amantes as amante, que amam, que vivem, que comem drageias como quem saboreia os gelados do Baleizão, sentava-me, via-te sobre saias curtas e sandálias com tiras finas de couro adormecido, passavas, olhavas-me e eu, indiferente
Saboreava-o como se ele fosse um botão de rosa descoberto no interior de um velho livro de poemas, havia junto dele uma fotografia, uma imagem estática, triste e com olhos mergulhados em água salgada, olhavas-me, olhas-me... e nada consegues dizer
Apenas
Talvez,
Que o dia terminou, que alguém correu o cortinado da tarde... e o Baleizão mergulha nas sombras dos barcos encalhados perto da Maria da Fonte, de longe chegava o som do Grafanil, cheirava a naftalina e a calções recheados de urina, e ouviam-se os teus suspiros depois de terminar o espectáculo de circo onde passeavas sobre um arame invisível, olhavas-me e vias-me...
Apenas
Talvez,
As mesas e as cadeiras metálicas, o chão em pequenos cubos de açúcar, e eu sabia que nunca mais regressaria aos teus abraços de menina vestida de branco passeando na companhia de um belo e monstruoso cavalo, pungente, e de olhar triangular como as estrelas do Mussulo, e apenas
Talvez,
Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles, os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam
Somos felizes aqui,
Perguntava-me
Felizes?
Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles, os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam como meninos antes do lanche, tristes, e no entanto, alguém os amarrava às cadeiras e às camas... como medo que eles
Navegassem...
Que eles
Fugissem...
Que eles
Que eles fossem fumar cigarros para Cais do Sodré, entrassem no Texas, pegassem numa das meninas cinzentas, e
Dançassem,
Dançassem até que o comandante com o apito embebido misturado com vodka... os mandasse regressar ao cais, ao cais do caixote de vidro, escadas, escadas, escadas... até que morriam, hoje um, amanhã outro...
E deixavam de ser barcos
E deixavam de ser as três tristes palavras.


(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...

foto de: A&M ART and Photos

a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?
não vestido
voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira
debaixo do corrimão...

oiço-o ofegante adormecido nas noites de solidão
oiço-o em corrida apresada descendo a calçada
abrindo janelas
abrindo... olhares cintilantes com sabor a estrelas do mar

oiço os apitos marinheiros
embriagados por ti
e em ti
quando inventas seios de prata e coxas de chocolate

oiço-o mergulhar nas minhas asas
são os teus sorrisos vagabundos como silêncios prisioneiros das aranhas clandestinas
mórbidas
mortas pela ranhura de uma lâmina de barbear

(a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?
não vestido
voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira
debaixo do corrimão...)

e oiço-o suspenso nas árvores do jardim da Estrela
e oiço-o que me chama e precisa das minhas mãos para subir as escadas da insónia
pertencerás tu aos grandes pilares de areia?
o comboio cintila e morre nos teus olhos cintilantes envenenados pela luz falsa
reescrita nos muros das palavras deambulantes que as gaivotas trazem da ilha...
oiço-o
e oiço-o sobre a cama esperando pelos meus lábios de sabão
como as pequenas caravelas de esferovite perdidas no tanque dos quatro caminhos

a quem pertencerá? um corpo voando nas marés de vidro
um corpo um apenas e simples corpo
o teu corpo que ninguém consegue explicar a quem pertencerá...
terá nome idade sexo religião? um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013