foto de: A&M ART andPhotos
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Balanço-me das tuas tristes três palavras
escondidas no disperso xisto que jazem nas tuas mãos como pigmentos
coloridos de pequenos animais, balanço-me e esqueço-me, percebo-o
agora, não o sabendo, das tuas outras vozes que alimentas o piano de
cauda que vive no hospício com janelas gradeadas viradas para o
jardim dos doces colares de pérolas, vejo-te passar sobre o alegre
relvado onde brincam árvores, pássaros e crianças que ainda não
lhes é permitido visitarem os pais, as mães... os amantes as
amante, que amam, que vivem, que comem drageias como quem saboreia os
gelados do Baleizão, sentava-me, via-te sobre saias curtas e
sandálias com tiras finas de couro adormecido, passavas, olhavas-me
e eu, indiferente
Saboreava-o como se ele fosse um botão de rosa
descoberto no interior de um velho livro de poemas, havia junto dele
uma fotografia, uma imagem estática, triste e com olhos mergulhados
em água salgada, olhavas-me, olhas-me... e nada consegues dizer
Apenas
Talvez,
Que o dia terminou, que alguém correu o cortinado
da tarde... e o Baleizão mergulha nas sombras dos barcos encalhados
perto da Maria da Fonte, de longe chegava o som do Grafanil, cheirava
a naftalina e a calções recheados de urina, e ouviam-se os teus
suspiros depois de terminar o espectáculo de circo onde passeavas
sobre um arame invisível, olhavas-me e vias-me...
Apenas
Talvez,
As mesas e as cadeiras metálicas, o chão em
pequenos cubos de açúcar, e eu sabia que nunca mais regressaria aos
teus abraços de menina vestida de branco passeando na companhia de
um belo e monstruoso cavalo, pungente, e de olhar triangular como as
estrelas do Mussulo, e apenas
Talvez,
Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com
cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam
encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de
rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles,
os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam
Somos felizes aqui,
Perguntava-me
Felizes?
Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com
cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam
encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de
rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles,
os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam como meninos antes
do lanche, tristes, e no entanto, alguém os amarrava às cadeiras e
às camas... como medo que eles
Navegassem...
Que eles
Fugissem...
Que eles
Que eles fossem fumar cigarros para Cais do Sodré,
entrassem no Texas, pegassem numa das meninas cinzentas, e
Dançassem,
Dançassem até que o comandante com o apito
embebido misturado com vodka... os mandasse regressar ao cais, ao
cais do caixote de vidro, escadas, escadas, escadas... até que
morriam, hoje um, amanhã outro...
E deixavam de ser barcos
E deixavam de ser as três tristes palavras.
(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013
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