sábado, 30 de março de 2013

Habitar de mim em ti

foto: A&M ART and Photos

Habitas nos fantasmas candeeiros de porcelana
e não saberás nunca
o nome verdadeiro do ciúme nocturno
habitas e desfazes-te em sorrisos de areia
habitas nos corpos poisados sobre os cais de madeira,

Habitas dentro do prazer
como as abelhas mergulham no pólen da madrugada
habitas na saudade
e nas ervas miúdas que brincam nos quintais de papel
à beira-mar,

Um livro eterno submerso nas lágrimas do céu da boca
e tu habitas no transformismo das palavras mortas
pelas línguas de prata
como uma pirâmide escondida no deserto
com os braços alicerçados aos lábios do desejo,

Habitas no meu corpo
desarrumado
e cansado
habitas nos textos que escrevo
e nos poemas com as palavras prisioneiras na húmida térrea,

Habitas fingindo que sonhas no meu peito
corres e corres e corres pelo corredor do silêncio
como se fosses uma criança sem nome
ou uma flor sem cor
ou... uma mulher de sombras que habita nos túneis da solidão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As Cartas devolvidas

foto: A&M ART and Photos

Sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou
Uma virgem encapuçada quando desce o Agosto das longínquas praias mergulhadas em incenso e em cartas de amor, devolvidas ao remetente, sou uma feliz prisioneira, à tua mão acorrentada, sou, uma, sou uma imagem escura, penumbra, fria, hoje, quando do ontem regressavam as algas dos rios onde dormias, e eu te esperava, sentada sobre a mesa da sala, de livro na mão, e com o candeeiro apagado, vivíamos em escuridão para afugentarmos os fantasmas das asas de papel, quando os Sábados
(ninguém regressou de lá)
As palmeiras diziam-se cansadas de balançar nas tardes de verão, e um vento ténue abraçava-nos enquanto escrevíamos poemas sem nexo, que ainda hoje vivem dentro de uma caixa de cartão,
(ela fugiu)
E o vento cessou de bater nas vidraças endiabradas, pareciam almas em corpos putrefactos, regressados do abismo, descíamos a calçada e sentávamos-nos sobre os finos paralelos do desejo, havia sempre uma flor que te esperava, meu querido, havia sempre uma
(Clarissa – Érico Veríssimo)
E havia sempre uma claridade no teu olhar, meu querido, e havia sempre uma nuvem azul com tempestades cinzentas, e havia sempre, meu querido, sempre, havia, havia sempre uma nuvem azul na tua boca, e sempre, havia, e havia sempre um silêncio de espuma nos teus lábios,
E
(the Sea)
E, hoje sei que o mar dormia nos teus bolsos, hoje, sei, hoje sei que o pôr-do-sol acordava porque os teus cigarros assim o determinavam, e eu não percebia, e eu, não sabia, que o mar, que ele e ela era tão importantes para ti, como a corrente que me prende ao teu peito de areia, e
(começaste a gostar de AL Berto por minha causa)
E hoje, hoje sinto que a corrente de aço que me aprisiona a ti, meu querido, começa a desmoronar-se, como as flácidas rugas do teu rosto de barro, e hoje
(the Sea)
Hoje (sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou) sento-me nas clarabóias poisadas sobre os telhados da cidade, e a cada pássaro que passa, peço-lhe perdão, peço-lhe que me traga novamente o mar emaranhado de algas, pedras, lodo, e os teus braços que ficaram apodrecidos como o casco do velho barco de esferovite, e hoje, hoje penso em ti como uma nuvem azul perdida sobre o Oceano...
(perdi as tuas cartas)
Como verbos suspensos no céu nocturno da saudade.


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 29 de março de 2013

Charco de Pedra

foto: A&M ART and Photos

Eterno silêncio do charco de pedra
com as palavras que mergulham em lábios de silício
na mão do homem com o chapéu preto
obliquamente sobre o rio da morte
às frias folhas de papel mata-borrão,

Desenho-te na límpida fragrância do café com natas
enquanto um transeunte espera impacientemente pelas torradas
e as folhas de papel com poemas adormecidos
tristes
no cansaço da janela do beijo,

Subo pelo teu corpo acima
e sento-me em ti adornada montanha de pele em suor
deito-me sobre as tuas mãos como se eu fosse um cadáver sem nome
porque deixaste de prenunciar o verbo meu sofrimento
que ao rio de sangue embarca até desaparecer no umbigo da noite,

Sabes que sou eu?
o filho indesejado das palavras começadas por F
e terminadas em OR
eu aquele insignificante miúdo com calções de areia e sandálias de chocolate
das sanzalas envergonhadas como os cavalos brancos das invisíveis madrugadas,

Eterno silêncio do charco de pedra
eterno teu corpo de xisto embrulhado nos socalcos da dor
miudinha ela a chuva de alegria
dos teus singelos seios de neblina
ao cair a tarde no Douro Rio... no Douro AMOR.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha