segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

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Que o segredo acordava todos os dias pela madrugada, vestia-se de negro, descia as escadas até à cave e abrindo uma porta de madeira prensada, começava o enfezado caminho através dos perpétuos corredores da morte, um labirinto de desenhos pintados com lápis de cor e acrílico sobre tela de linho, rodeavam o tecto fingindo o céu com as estrelas, as verdadeiras estrelas que a loucura semeou nas varandas dos edifícios perdidamente apaixonados pela cidade, muitos, muitos sucumbiam até derreterem-se, e via-os a despirem-se e apenas ficava o líquido pegajoso de chocolate fora de validade, passaram os anos, e todas as ligaduras que suspendiam as cabeças de areia à velha janela, acordaram e quando se olharam ao espelho da enfermaria, todas, gritaram
Agora somos pó,
Hoje, vivem eternamente prisioneiros dos aviões de papel,
Gritaram e não abri a porta, fingi que dormia profundamente, e quem do outro lado incessantemente procurava por mim, acabou por desistir, como todos aqueles que me procuram
Agora somos pó,
Desistem, morrem, fogem durante a noite enquanto os carris de aço dormem como flores de abelha nas esplanadas de mel, queria pintar-me de preto, vestir-me de preto, construir umas asas de mulher apaixonada com pele cremosa e suada, com cabelo curtíssimo, corte tipo rapazola, e voar até que a morte nos separasse, e voar
(Gritaram e não abri a porta, fingi que dormia profundamente, e quem do outro lado incessantemente procurava por mim, acabou por desistir, como todos aqueles que me procuram),
E eu não sabia que o amor pode viver numa esquina de um prédio em ruínas no centro da cidade, e eu não sabia que o amor pode viver dentro de uma árvore de tecido com olhos verdes, ou castanhos, ou mesmo azuis, porque eu sou um parvalhão e um grandessíssimo estúpido, e não sabia que o amor vive e está em todo o lado, e em cada esquina um poeta procura por palavras, porque
Eu não sabia
Agora somos pó,
Porque o amor é uma coisa esquisita, indefinida (para mim, claro, que sou um grandessíssimo estúpido e parvalhão), e eu não sabia que o amor pode ter asas, e voar, como os pássaros que vejo todas as noites poisados sobre a mesa-de-cabeceira, juntamente com o “Dentro do Segredo” de José Luís Peixoto, e confesso, confesso que não sabia que o amor era isto, coisas, papeis nas paredes da inocência, cabelos soltos no vento da manhã saborosamente que uma caneta de açúcar vai escrevendo no relógio de pulso do poema acabado de escrever, porque
Eu não sabia
Agora somos pó,
Porque eu não sabia,
Que todos, alguns, desistem, morrem, fogem durante a noite enquanto os carris de aço dormem como flores de abelha nas esplanadas de mel, queria pintar-me de preto, vestir-me de preto, construir umas asas de mulher apaixonada com pele cremosa e suada, com cabelo curtíssimo, corte tipo rapazola, e voar até que a morte nos separasse, e voar, voar, e voar até à morte do poema,
Porque eu não sabia que o amor é tão simples com a aritmética...

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Madrugadas de areia


Desenho-te vezes sem conta
nos lençóis obscuros de púrpura neblina
quando do cais dos teus seios de infância
há barcos em silêncio
e ondas invisíveis no sorriso da tua pele ornamentada,

Finjo que nunca te amei
como acredito que as árvores têm palavras amigas
quando encosto o meu ouvido ao tronco sólido sentindo o desejo
e a mágoa desajeitada das sílabas sem papel nem tinta permanente
quando regressas a casa e finges que eu não existo,

Não me importo
como nunca me importei
com o dinheiro
riqueza
casas com piscina,

Nada me faz feliz
a não ser
desenhar-te incessantemente nos lençóis obscuros de púrpura neblina
quando do cais dos teus seios de infância
há barcos em silêncio,

Há casas desabitadas
com telhados de vidro
há flores de cartolina com pincéis de lábios de ti menina
menina dos sonhos de oiro
quando regressa a noite,

E finges que sou um livro sobre uma mesa-de-cabeceira
louca como todas as mesas-de-cabeceira
trôpega como todos dos guarda-fato com espelhos convexos
e dentes perplexos
como as bocas das cansadas madrugadas de areia...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O fim dos dias

O fim dos dias,
Ontem tinha a certeza que das poucas coisas que me restavam eram estes poucos poeirentos livros, alguns antigos, mais velhos do que eu, alguns até mais velhos que o meu pai, outros, oferecidos por mulheres apaixonadas, outros, coisa nenhuma, apenas amizades que prezo e sempre prezei, o mais importante da vida são os amigos, claro que eu sou apelidado de louco e muitos irão pensar que estou errado, outros, outros que tenho razão, e outros ainda, que sou um parvalhão sem eira nem beira, e talvez o seja, e talvez não
E fico sempre assim, assim como? Assim, sempre que assisto ao fim dos dias, assim como se eu fosse um vulto vestido de sombra à procura de um espelho, olhava-me e via do outro lado alguns arbustos e um pedaço de rio em relâmpagos cinzentos acabando por despenharem-se nas raízes da paixão, como os limos, como os orgasmos que voam entre quatro paredes, como eles, os toques disponíveis no Facebook (servem para quê?), explicam-me que
Servem para não me ficar a dormir enquanto conduzo, isto é, enquanto escrevo, que servem também para eu perceber que estou vivo, ou
Para anunciarem-me o fim dos dias
Será?
Sim, o fim dos dias sem eira nem beira, oiço-os e fico furioso quando me dão toques e quando respondo, não me respondem, tal como a noite quando regressa, saio de casa, fecho hermeticamente a porta de entrada, meto as chaves na algibeira, puxo por um cigarro virtual, e
Fica dia,
Volto a meter o cigarro virtual na algibeira, volto a tirar vagarosamente as chaves, abro a porta de entrada, entro em casa, e
Fica novamente noite,
Desisto,
O fim dos dias,
(Manuseio-o e aprecio a beleza de um Cachimbo construído pelo artesão João Reis, é lindo, e felizmente tenho um entre mãos, manuseio-o e recorda-me os silêncios intermináveis das noites em que eu ainda conseguia voar entre quatro paredes como os orgasmos, ou com um pouco de sorte encontrar nas centenas de poeirentos livros alguns com a tua dedicatória, possivelmente existirá um, um apenas, como os toque que não servem para nada
A não ser,
A não ser proibir-me de adormecer enquanto escrevo),
O fim dos dias, os vultos meus pintados no espelho do guarda-fato, queria ficar sempre lá, como um prisioneiro condenado a prisão perpétua, até que um toque me acordava e libertava,
Abaixo as ditaduras e todos os ditadores deste planeta, abaixo as paixões e os amores das flores carnívoras, abaixo as janelas e as fotografias e os rios que dormem nas cidades de vidro, abaixo os toque, os malditos toques que não servem para nada, rigorosamente nada,
Como uma, apenas uma se existir, dedicatória num dos meus velhos e poeirentos livros,
Na fogueira que cresce, se alimenta, e sorri, à lareira
A tua lareira embrulhada em sonhos e quadradinhos de chocolate, há palavras por dizer, e frases por escrever, e
O fim dos dias,
E
Sim, o fim dos dias sem eira nem beira, oiço-os e fico furioso quando me dão toques e quando respondo, não me respondem, tal como a noite quando regressa, saio de casa, fecho hermeticamente a porta de entrada, meto as chaves na algibeira, puxo por um cigarro virtual, e
E
(acabo de receber mais um toque “virtual”).

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha