terça-feira, 31 de julho de 2012

amores e desejos cansados

Desenhei o teu nome
na areia finíssima do Mussulo
e sentava-me a olhar o teu sorriso
sobre a crista das ondas
desenhei barcos
inventei árvores e pintei pássaros no lugar das estrelas
construí amores e desejos cansados
sem sentido
e escrevi e escrevi e escrevi...
e escrevi as palavras sem jeito
que nunca gostaste e detestas
e desenhei o teu nome

e o vento levou
levou toda a areia da praia
e fiquei ausente
e sem os barcos de papel

e na crista das ondas
hoje
hoje brincam árvores de fumo
com folhas de silêncio.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

(e não sei amar)

Vivo entre quatro paredes invisíveis
construídas pelo vento
sou metade pássaro
sou metade peixe
(e não sei amar)
e nunca percebi as (mulheres)
confesso
confesso que me é mais simples resolver uma equação diferencial
do que
do que olhar as manhãs de inverno da janela do palheiro onde habito
do que
resolver uma integral tripla

confesso
(e não sei amar)
as cintilações da álgebra linear e geometria analítica
matrizes
confesso que muito mais simplificadas
do que
do que algumas mulheres
(e não sei amar)

as flores
e as noites à espera das sílabas lunares
em rotações complexas
elípticas

o que interessam os protões
electrões
buracos negros
galáxias
deus
se o céu nocturno é tão lindo...

o que me interessa se a água é uma molécula
composta por dois átomos de hidrogénio
e um
e um átomo de oxigénio...

se elas (as moléculas) simplesmente saciam a sede
e refrescam as mãos húmidas das palavras
em telegramas ínfimos ausentes no cadáver da floresta abandonada
(e não sei amar)

dizem
dizem-me que nunca soube amar

e
e fico triste.

domingo, 29 de julho de 2012

Arte de navegar


Um muro de silêncio separa-me do mar
invisível
com ondas de sabão
e marés de açúcar

oiço as mentiras da minha vida
(e percebo que o teu mar não entra pela janela [AL Berto]
e daqui até ao dia14 de Janeiro...
portanto eu desconfio que se disser mar em voz alta
o mar não vai entrar pela janela)
não existe o mar
nem existem as palavras que me escrevem
nos lençóis de linho com corações de mel
e amêndoas de chocolate
e eu escondia-me dentro do infinito

não existem as estrelas penduradas
no tecto da tenda do circo da noite
onde se cruzam e entrelaçam mãos ensanguentadas de poemas
e lábios de mentira
não existe o amor
a paixão
o mar não existe e é impossível escrever nas cordas do ciúme
onde habitam os mortos sem coração.

sábado, 28 de julho de 2012

O poema de gelo

O tesão da palavra tesão
em busca do pénis flácido da noite
entre os joelhos da melancolia
o poema do gelo
esquecido la lareira de carvão
com as sílabas de orvalho
e a vagina de geada adormecida nos braços da puta da morte
mesmo à porta de entrada do quarto direito

(entre os muros curvilíneos do outono)

a vizinha do quarto esquerdo
que não me deixa dormir
oiço-lhe os gases e o rosnar da clarabóia
oiço-lhe os orgasmos fictícios que inventa quando percebe que eu estou em casa
e quero dormir
e sei que faz de propósito
que mais poderia ser?
Oiço-lhe todos os gemidos das frestas das quatro paredes de gesso
e das flores da amoreira
à deriva no silêncio do tecto do corredor
palavras de tesão
nas janelas do quarto esquerdo

vejo os barcos à janela
e a vizinha que teima em não me deixar dormir
em voos nocturnos para os caixotes de Odivelas
com pedacinhos de dedos de diamante negro

(acreditei em todos os barcos que vi
sobre as palmeiras da Baía de Luanda)

palavras de tesão
ardem nas algibeiras camufladas
em bocas
e coisas de poucas

título
para o poema de gelo
(precisa-se de trabalho)
às palavras sem tesão
difíceis de sobreviver à noite de Lisboa
um homem com calças aos quadradinhos
e óculos de fundo de garrafa de vodka
ontem
nos cigarros miseráveis dos barcos com gengivas dentro de rimas
os sexos das manhãs de amanhã
suspensos na varanda do quarto esquerdo
a puta da morte


no tesão das palavras
e das rimas que constroem o poema de gelo.