sábado, 28 de julho de 2012

O poema de gelo

O tesão da palavra tesão
em busca do pénis flácido da noite
entre os joelhos da melancolia
o poema do gelo
esquecido la lareira de carvão
com as sílabas de orvalho
e a vagina de geada adormecida nos braços da puta da morte
mesmo à porta de entrada do quarto direito

(entre os muros curvilíneos do outono)

a vizinha do quarto esquerdo
que não me deixa dormir
oiço-lhe os gases e o rosnar da clarabóia
oiço-lhe os orgasmos fictícios que inventa quando percebe que eu estou em casa
e quero dormir
e sei que faz de propósito
que mais poderia ser?
Oiço-lhe todos os gemidos das frestas das quatro paredes de gesso
e das flores da amoreira
à deriva no silêncio do tecto do corredor
palavras de tesão
nas janelas do quarto esquerdo

vejo os barcos à janela
e a vizinha que teima em não me deixar dormir
em voos nocturnos para os caixotes de Odivelas
com pedacinhos de dedos de diamante negro

(acreditei em todos os barcos que vi
sobre as palmeiras da Baía de Luanda)

palavras de tesão
ardem nas algibeiras camufladas
em bocas
e coisas de poucas

título
para o poema de gelo
(precisa-se de trabalho)
às palavras sem tesão
difíceis de sobreviver à noite de Lisboa
um homem com calças aos quadradinhos
e óculos de fundo de garrafa de vodka
ontem
nos cigarros miseráveis dos barcos com gengivas dentro de rimas
os sexos das manhãs de amanhã
suspensos na varanda do quarto esquerdo
a puta da morte


no tesão das palavras
e das rimas que constroem o poema de gelo.

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