sábado, 23 de setembro de 2023


 

Fotografia

 Tenho saudades do mar

Meu amor

Tenho saudades do mar

E dos teus braços que me seguram

Para eu não ir com o mar

 

Tenho saudades do mar

Meu amor

Tenho saudades do mar

E das palavras do mar

Meu amor

E saudades

Dos segredos do mar

 

Tenho saudades do mar

Meu amor

Tenho saudades dos teus beijos

Roubados ao mar

Tenho saudades das tuas mãos

Poisadas no meu rosto… de mar

 

 

23/09/2023

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Insónia

 Um milhão de moedas

Pesa o teu sorriso

Um milhão de moedas

Pesa o teu silêncio

Nesta Terra desorientada

E sem juízo

E sem madrugada

Um milhão de moedas

Pesam as tuas mãos de veludo

E outro milhão de moedas

Valem os teus olhos de mar

Na primeira noite de luar

Um milhão de moedas

Loiras

De oiro

Pesam as sílabas da tua boca

Um milhão de moedas

E uma moeda louca

Dormem

 

22/09/2023

Dia só

 Um dia sem ninguém

Nas palavras

Das palavras vesgas

Nas mãos de um poeta tolo

Um dia

Sem ninguém

O primeiro pingo de chuva

Que ilumina a manhã

 

Um dia de um outro dia

Ausente do dia

Sem ninguém

Estas palavras

Filhas do dia

Ontem não foi dia

E amanhã

Um dia sem ninguém

 

 

22/09/2023

Acordar

 Que o teu sorriso

Seja sempre o sol de cada manhã

Quando acorda

Que o teu sorriso

Seja sempre o poema

Em cada dia

A cada poesia.

 

22/09/2023

Outono

 O que posso eu oferecer-te no primeiro dia de Outono,

A não ser, um pedido,

Que te dispas, lentamente,

Devagarinho,

Que poises aqui uma pétala,

Ali, outra pétala,

Mais além…, uma outra pétala.

 

Que te dispas, como se despe o poema,

Ao cair da tarde,

Junto ao rio,

O que posso eu oferecer-te no primeiro dia de Outono,

A não ser, um pedido,

Que te dispas, suavemente,

E as restantes pétalas… lança-as ao vento,

E guarda apenas uma,

Para te recordares de mim.

 

 

22/09/2023

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Regresso

 Perguntavam-lhe o que ele queria ser quando fosse grande,

E ele,

Costureiro.

Como ele ainda não sabia o significado de estilista, respondia que queria fazer vestidos para o chapelhudo,

Criança parva, aquela.

Um dia quando acordou, olhou pela janela e decidiu que queria ser guardião de barcos, que felizes eles eram, quando se cruzavam, apitavam e beijavam-se…

O mar agitava-se, às vezes, outras, outras parecia um lençol de linho deitado sobre a tua pele, até que descia a noite e levavam-me para o camarote.

Cheirava a Nafta e eu gostava daquele cheiro, daquele silêncio da meia-sucata, alguns envenenados pelo tempo, ali parados, parados a olharem-me. Deitava-me. De barriga para o ar, olhava o tecto e desenhava círculos de luz com o meu olhar,

E ele nem percebia porque acordavam os mabecos durante a noite a chorar…, quanto mais que ia para Portugal, para a Metrópole. Raios.

E depois de desenhar os pequenos círculos de luz, imaginava a lua a descer, a descer, até poisar sobre a minha cama, pelo óvulo da janela, o mar, o salgado mar das tardes de poesia junto ao rio, enquanto me deixa ir pela preia-mar e só acordava numa qualquer pensão recheada de piolhos e afins,

Criança parva, aquela.

Um dia, qualquer dia, percebeu que valia mais ter ficado no mar.

Era frio. Às vezes, às vezes o cobertor não dava para os três, e mesmo assim, queria fazer vestidos para o chapelhudo, descia a calçada, e virando à direita, aterrava num qualquer aeródromo com cadeiras de ferro, e mesas de ferro. Ficava ali até acordar o dia… até o dia se fartar de mim.

Um dia, qualquer dia, quando se ia deitar descobriu que queria ser o silêncio,

Já sei o que quero ser quando for grande,

Quero ser o silêncio.

E eu expliquei-lhe que nunca poderia ser o silêncio porque ninguém pode ser o silêncio e que o silêncio é quando Deus está… em silêncio.

Não percebeu, o miúdo.

Parvo, este miúdo.

Aos olhos da neve sou um pedaço de alegria embebida em quadradinhos de ausência, já aos olhos dele,

Criança, parva.

Criança, parva.

O rio fartava-se dele, pedia-lhe desculpa, despedia-se e só ao outro dia, por volta das onze é que regressava, eu, lá, esperando que ele voltasse.

Talvez me pagasse o almoço.

Olhava-o, pedia-lhe um cigarro, e conservávamos sobre coisas banais, coisas simples, coisas de mim e de para um rio; o cobertor parecia uma folha de papel vegetal, e sentia os meus ossos em pequenos rangeres como gonzos loucos sitiados e revoltados numa qualquer clinica psiquiátrica.

Durante muito tempo acreditava que tinha deixado lá o sono em detrimento de trazer outras quaisquer bugigangas. Depois um parvalhão ofereceu-me um par de botas, pesadas, pesadíssimas como chumbo. Chorei.

À meia-noite ouvia o sino e acreditava que ao outro dia, um qualquer dia, todos os pássaros seriam livres.

Todos.

Estilista.

Quero ser estilista.

 

 

21/09/2023