Perguntavam-lhe o que ele
queria ser quando fosse grande,
E ele,
Costureiro.
Como ele ainda não sabia
o significado de estilista, respondia que queria fazer vestidos para o chapelhudo,
Criança parva, aquela.
Um dia quando acordou,
olhou pela janela e decidiu que queria ser guardião de barcos, que felizes eles
eram, quando se cruzavam, apitavam e beijavam-se…
O mar agitava-se, às
vezes, outras, outras parecia um lençol de linho deitado sobre a tua pele, até
que descia a noite e levavam-me para o camarote.
Cheirava a Nafta e eu
gostava daquele cheiro, daquele silêncio da meia-sucata, alguns envenenados pelo
tempo, ali parados, parados a olharem-me. Deitava-me. De barriga para o ar, olhava
o tecto e desenhava círculos de luz com o meu olhar,
E ele nem percebia porque
acordavam os mabecos durante a noite a chorar…, quanto mais que ia para Portugal,
para a Metrópole. Raios.
E depois de desenhar os
pequenos círculos de luz, imaginava a lua a descer, a descer, até poisar sobre
a minha cama, pelo óvulo da janela, o mar, o salgado mar das tardes de poesia
junto ao rio, enquanto me deixa ir pela preia-mar e só acordava numa qualquer
pensão recheada de piolhos e afins,
Criança parva, aquela.
Um dia, qualquer dia,
percebeu que valia mais ter ficado no mar.
Era frio. Às vezes, às
vezes o cobertor não dava para os três, e mesmo assim, queria fazer vestidos
para o chapelhudo, descia a calçada, e virando à direita, aterrava num qualquer
aeródromo com cadeiras de ferro, e mesas de ferro. Ficava ali até acordar o dia…
até o dia se fartar de mim.
Um dia, qualquer dia,
quando se ia deitar descobriu que queria ser o silêncio,
Já sei o que quero ser
quando for grande,
Quero ser o silêncio.
E eu expliquei-lhe que
nunca poderia ser o silêncio porque ninguém pode ser o silêncio e que o
silêncio é quando Deus está… em silêncio.
Não percebeu, o miúdo.
Parvo, este miúdo.
Aos olhos da neve sou um
pedaço de alegria embebida em quadradinhos de ausência, já aos olhos dele,
Criança, parva.
Criança, parva.
O rio fartava-se dele,
pedia-lhe desculpa, despedia-se e só ao outro dia, por volta das onze é que
regressava, eu, lá, esperando que ele voltasse.
Talvez me pagasse o
almoço.
Olhava-o, pedia-lhe um
cigarro, e conservávamos sobre coisas banais, coisas simples, coisas de mim e de
para um rio; o cobertor parecia uma folha de papel vegetal, e sentia os meus
ossos em pequenos rangeres como gonzos loucos sitiados e revoltados numa
qualquer clinica psiquiátrica.
Durante muito tempo
acreditava que tinha deixado lá o sono em detrimento de trazer outras quaisquer
bugigangas. Depois um parvalhão ofereceu-me um par de botas, pesadas,
pesadíssimas como chumbo. Chorei.
À meia-noite ouvia o sino
e acreditava que ao outro dia, um qualquer dia, todos os pássaros seriam
livres.
Todos.
Estilista.
Quero ser estilista.
21/09/2023