terça-feira, 19 de setembro de 2023

O guardião

 Sou guardião do teu olhar

Ó salgado mar!

Sou guardião do teu olhar

Sou pedaço de palavra que brinca com o luar

Sou estrela que não se cansa de brilhar…

Do teu doce olhar,

 

Sou guardião do teu olhar

Sou maré infinita

Manhã faminta

Sou árvore sonolenta

Que dança ao silêncio do vento

Que lamenta o invisível sorriso

Da sombra ferrugenta.

 

 

 

19/09/2023

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Cazaquistão

 Do Cazaquistão, nada de novo.

O tonto continua tonto

Tolo

E burro.

Do Cazaquistão, nada de novo.

Nem flores

Nem amores

Quanto mais Doutores.

Por aqui

Dentro de momentos

O recomeço do nosso espectáculo

A ceia

E dormir.

Coisa alguma.

Do Cazaquistão, nada de novo.

A não ser o tolo que eternamente será tolo.

Tudo igual como a lesma

Na mesma

Ao outro dia

Três drageias e meia

Ao deitar

Sobre o sono

Uma almofada.

 

Do Cazaquistão, nada de novo.

O nosso capitão morreu

O nosso barco

Ardeu numa noite de neblina

Nada de novo,

Nada de novo enquanto a noite não termina

Acorda no Cazaquistão,

E nada,

De novo.

Do Cazaquistão, nada de novo.

Nem árvores

Nem vento vestido de árvores

Sem o saber

Bebeu

Nada de novo,

Por aqui,

Coisas nenhuma,

Do Cazaquistão, nada de novo

E estamos todos bem,

Estamos felizes,

Por aqui…

Dentro do Cazaquistão, nada de novo.

Três drageias ao deitar,

Meio copo de leite com saudade…

E novamente dia

E novamente acorda o Cazaquistão.

 

 

 

18/09/2023

Francisco

A esta hora

 A esta hora milhões de coisas acontecem

Milhões de corpos se saciam na sombra do desejo

Milhões de pássaros

Voam sobre o mar

A esta hora

Milhões de coisas acontecem

Milhões de estrelas morrem

Milhões de estrelas nascem

Milhões de coisas

Ou coisas de milhões alguns

Milhões de luas

Milhões de planetas

De cores em milhões

 

A esta hora

Milhões de beijos acordam

Milhões de bocas comem

Milhões de olhos choram

A esta hora

Milhões de tostões

Que roubam a hora do milhões

A esta hora

Milhões de mãos se entrelaçam

Milhões de casas dormem

Milhões de casas acordam

A esta hora

 

Milhões de crianças sofrem.

 

 

18/09/2023

Francisco

domingo, 17 de setembro de 2023

Código binário

 Escrevo no teu peito o postulado da equação de Deus, na revolta dos teus seios em direcção ao exército da insónia, recordo a primeira equação da equação de Deus, e como poderei esquecer, se a escrevi no teu seio esquerdo, e como poderei me esquecer da integral do desejo, depois de elevar a raiz cúbica da paixão, à decima quinta potência de Zeus, perceber que pouco ou nada restou, a não ser, que tudo, mas tudo mesmo, é apenas a unidade.

O uno.

O uno divisível, que mesmo dividido em milhões de pedacinhos, será sempre o uno, o homem, o filho de Deus.

Escrevo no teu peito e de alguma coisa me vou esquecer.

Esqueci o teu nome, quando o escrevi milhares de vezes no folheto do meu coração, esqueci os teus olhos, o teu cabelo, sem cabelo, do vento, ao vento, entre mim e as primeiras lágrimas da manhã

Depois, traçamos uma recta de (A) até (B), e da equação dessa recta multiplicamos a integral solucionada na tarde passada,

Pifou, o gajo.

Escrevo no teu peito, SOCORRO, como se estivesse a ser perseguido pela revolta das enxadas do nosso querido Douro,

Oiço-os, sinto-os, lá longe, muito longe

Todos aqueles que morreram no Douro.

Escrevo no teu peito o postulado da equação de Deus, percebo que é complexa, percebo que este meu pobre computador nunca conseguirá encontrar uma solução, a não ser…

Voar sobre o mar.

E morrer no mar.

Escrevo no teu peito a sinceridade da noite, que aos poucos se entranha nos ossos, como lâminas de geada, como saliva misturada com aparas de madeira, o lápis sobre a mesa, a folha movimenta-se, eu escrevo no teu peito, o lápis esconde-se na minha mão, e tu,

Dormes sobre mim.

Escrevo no teu peito a maré que regressa, do Deus que se afasta, e me persegue enquanto não lhe resolver a equação,

Pifou, o gajo.

Voar sobre o mar.

E morrer no mar.

Escrevo no teu peito o postulado da equação de Deus, na revolta dos teus seios em direcção ao exército da insónia, recordo a primeira equação da equação de Deus, e como poderei esquecer, se a escrevi no teu seio esquerdo, e como poderei me esquecer da integral do desejo, depois de elevar a raiz cúbica da paixão, à decima quinta potência de Zeus, perceber que pouco ou nada restou, a não ser, que tudo, mas tudo mesmo, é apenas uma sombra abraçada à unidade; somos apenas Zeros e Uns. Somos código binário.

 

 

17/09/2023

(Ficção)

Planície

 Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou o guardião dos teus olhos de mar

Sou cavaleiro em revolta

Nos teus doces lábios de mel

Sou barco de papel

Sou flor rasurada

Sou luz diáfana

No silêncio da madrugada

 

Sou faina

Príncipe à tua volta

Tu és Princesa

Na mão da aforada       

Que corre e que grita e não se solta

Da manhã que acorda envenenada

Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou o teu poeta adormecido

Sou o teu escrivão

Que dorme esquecido

Do mar que se esqueceu

De um dia ter pedido

De todos os Príncipes do Reino

A alvorada sem ninguém

Triste e só

Triste nos olhos de alguém

 

Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou o cálice envenenado

Sobre a mesa do poeta

No poema encarcerado

Em gritos e revoltado

Ergue-se do alegre chão

Que me aponta

A mão

Do não

E dispara contra o meu coração

 

Sou Príncipe

Tu és Princesa

Sou um cavaleiro em revolta

Que de batalha em batalha

De planície teu cabelo em treliças de alecrim

Corre para o mar

E jamais volta

E jamais amará as palavras do luar

Porque chove

Porque gritam as sílabas do meu poema…

Se a noite é escura

E eu sou o Príncipe

E tu és a minha Princesa.

 

 

17/09/2023

sábado, 16 de setembro de 2023

Gaivota

 Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel

Tem um sorriso nos olhos

Tem nos lábios um batel

Em teu cabelo

De mar

Cinzenta tempestade

De ondas na mão

Em pedacinhos de fúria

Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel

Tem o silêncio na boca

E sobre os ombros embriagados de luz…

O sino da aldeia.

 

Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel´

Tem nas mãos o feitiço da lua

E nas asas

A doce liberdade.

 

Em teu cabelo de mar ondulação

Brinca uma gaivota de papel

Tem no sorriso um poema

Tem no poema um sorriso de mel

Em teu cabelo

Em mar ondulação

Brinca uma gaivota em papel

E um pobre coração.

 

 

 

16/09/2023

Os barcos da infância

 S. Martinho do Porto, Janeiro de 1989,

 

Deste quarto, dentro deste quarto, olho o mar e pinto o mar nos meus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde me escondo, não sabendo porque me escondo, neste quarto pinto o sol no tecto, no tecto deste quarto, e sinto neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da minha infância.

Neste quarto, de onde oiço o mar, pincelo o meu olhar com estrelas-do-mar e silêncios de alegria, depois, depois peço ao guarda deste quarto, peço ao senhor António, que liberte todas as serpentes, que dormem neste quarto e não gostam de poesia, como todos os que detestam poesia, que são muitos, que são alguns, não pertencem a este quarto, de onde eu, pela janela deste quarto, sinto o cheiro do mar, e depois,

E depois nada. Fico dentro deste quarto.

Vou à janela deste quarto, puxo por um cigarro, acendo-o preguiçosamente, eu oiço-os

Entre gritos, ao lado deste quarto,

Sem perceberem que dentro deste quarto,

Habito eu, o poeta suicidado por uma bala de medo numa tarde junto ao Mussulo.

Então senhor António, as serpentes?

Sei lá eu das serpentes, menino,

Sei lá eu.

E de dentro deste quarto, nem eu, nem eu, senhor António,

Nem eu.

Neste quarto, de dentro deste quarto, oiço o sorriso das girafas, brincando no capim como se fossem crianças pinceladas de saudade, neste quarto, dentro deste quarto todos os papeis são loucos, todas as palavras são loucas, neste quarto, de dentro deste quarto, todos os Sábados, junto ao rio…

Então o senhor António pensava que as serpentes não sabiam ler?

Sei lá eu, menino,

Sei lá eu,

Nem eu, de dentro deste quarto,

A bala sorriu e caiu no pavimento lamacento. Dentro deste quarto, neste quarto, aos Sábados, oiço o mar, desta janela sem sorriso, enquanto o senhor António se vai travando de amores com as serpentes,

E o menino,

O menino, deste quarto, de dentro deste quarto, deste quarto, dentro deste quarto, olha o mar e pinta o mar nos seus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde se esconde, não sabendo porque se esconde, neste quarto pinta o sol no tecto, no tecto deste quarto, e sente neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da sua infância.

 

 

 

16/09/2023

Luís