(Ópera em três actos)
Música: Francisco.
Cenários: Luís.
Guarda-roupa: Francisco
& Luís, Associados.
Dança: Francisco Luís.
Personagens:
- Alzira;
- Carlos;
- O Tolo;
- Madame (X);
- Rio;
- Os socalcos e a sombra
dos socalcos;
Primeiro Acto:
(o Tolo descobre que
pensa)
(junto ao Tejo, um apito;
AL Berto)
Tão triste
Mário…)
Quando me sento
Nesta pedra cinzenta
Às vezes
Lamento
Outras vezes
Invento
Que me sento
Nesta pedra cinzenta,
Às vezes
Acredito
Que dito
O que penso
Quando não penso
E descubro que penso
Que descubro que me fica
lindamente
Este lenço em seda
Com que me enforco
E bordado pela inocência,
(Alzira aproxima-se, descreve
um semicírculo de cento e oitenta graus,
Toca-me, e pergunta-me)
Porque pensas
Carneirinho
Soldado do monte
Do pasto
Das cabras amansadas
Quando ao longe
Regressam os Cacilheiros
de Almada,
Não penses
Carneirinho
Não penses que as cabras
Que saltam de poiso em poiso,
(começa a orquestra: duas
palmadas no rabo e um travessão, ponto paragrafo, na sua mão, Alzira, treme de frio
ou de outra coisa qualquer, em pleno Agosto…)
Carneiro não pensa
Carneiro nasceu para
sofrer
Para foder
Ser fodido
E acabar num pote em ferro
À meia-noite
Em ponto,
(o parvo do Carlos
desliga o interruptor, apagam-se as estrelas, e apalpamo-nos uns aos outros
como Deus nos apalpou e comeu)
Começa o dia
Começa o dia e o gajo
descobre que pensa
Que existe
Pois claro
Mário de Sá-Carneiro
Pensava.
Um tiro nos miolos…
Florbela
Que era Espanca
Que era tão bela,
Três tentativas,
Duas falhadas,
Uma,
A correcta.
Abro a porta.
(Alzira corre pela seara
do trigo desejo em que ela tantas tardes, adormeceu nos braços do Tolo)
Não corras
Alzira
Corre tu
Carlos
Não corras
Corras
O risco
De ser Tolo
E pensar.
Segundo Acto:
(o Tolo apaixona-se pela
floresta)
(as calças que me deram hão-de
ajustar-se à medida do meu corpo…, AL Berto)
Estavam a floresta o rio
os socalcos e as sombras dos socalcos
Estavam todos á conversa
(batem à porta da
biblioteca, Madame (X), abre a porta numa rotação de trinta e cinco graus anti-horário,
espreita e sorri, quem será esta, penso)
Todos nós nos calamos
Calou-se o Tolo
Calou-se o rio
Calaram-se os socalcos e
as sombras dos socalcos
Uma voz em gritos
Agora podemos começar
Começamos então
Uns que se sentam
Outros tantos que se levantam
Menos os que morrem
E aqueles que partiram
Ficamos nós
Aqui em conversa
Dentro desta biblioteca
(o Tolo, sim, Madame, ela
que andava à procura do livro de AL Berto
“O Medo”
(perguntei-lhe se já
tinha ido procurar na casa de banho, ofendeu-se, respondeu-me mal e acusou-me
de assedio…)
E “O Medo” lá está
Por aí anda
Mas o que a Madame (X) queria
saber
O que ela queria
Saberia
O outro
Que não eu.
(Alzira acaba de pisar
uma mina num qualquer musseque em Angola)
(a orquestra suavemente,
ergue-se por entre a plateia, uma jarra com flores, que tocam flauta, começam a
mais linda melodia da noite; A Princesa.)
Os barcos
Os barcos atiram-se das
prateleiras
Numeradas
Ficção
Poesia
Pintura
Engenharia
Tesão
E física nuclear,
(cabeças de esperma
ressequido)
Do silêncio
A Madame (X)
Salta a janela
Mil e duzentos milímetros
Coisa pouca
Uma perna partida
E os ovários descaídos.
O Tolo
O Tolo beija loucamente a
floresta
E descobre
Que além de pensar
Que além de…
Também ama.
Terceiro Acto:
(o Tolo é preso pelos
leitores e pelas leitoras)
(mostram restos de esperma
ressequido naquelas cabeças ocas…, AL Berto)
O Carlos, fugiu.
(antes de morrer, tremia de
frio, e nunca mais tive notícias da Alzira)
(suavemente, ergue-se o
coro de silêncios, começa a alvorada e junto à porta de entrada, A Multidão)
Graças a Deus
Estás vivo
Meu filho
Prefiro ver-te preso
De que ver-te morto
Não sei
Mãe
Não sei qual é a altura
ideal para morrer
(o coro de silêncio cessa
de desenhar sons invisíveis nos três círculos de luz, e dos olhos da Alzira,
uma cortina de fogo poisa sobre a mesa)
Um livro toca no tolo
Ele
Excita-se
Masturba-se dentro da
solidão
O livro que tem nome
Preso
Ele também
Às mãos do poeta
Sem porta
Sem janela
Sem cama
O livro vomita
Lança o esperma da madrugada
sobre um campo de papoilas
Um pequeno uivo
Coisa pouca
Dança sobre a mesa
O Tolo dança
O Tolo se esquece
Aos poucos
Dos poucos que nunca
esqueceu
Dos barcos
Do Céu
Das estrelas
E
(da puta que os pariu,
gaguejava o nosso ausentado amigo Luiz Pacheco)
Uma lágrima de sangue
Abre-lhe as algemas
E a prometida liberdade
Desce
Corre
Corre para onde,
O Tolo?
(o Tolo descobre que
pensa, o Tolo descobre que ama, o Tolo descobre que é prisioneiro dos seus
leitores e das suas leitoras)
FIM
06/08/2023
Francisco