sábado, 29 de julho de 2023

Mussulo

 

Branca areia mar

Do amar marinheiro

Do triste companheiro

Em luta

Pela fome

Que labuta

Na procura de um nome

Em busca de um esconderijo com lábios de mel

E olhos de mar

 

Sentado sobre as ondas

Distante da branca areia mar

Do Mussulo em despedida

Sentida

A triste madrugada

No teu corpo em palavra

Na palavra sem mais nada

 

Maré cinzenta

Que pensa

Que alimenta

A branca areia mar

Do amar desgovernado

Às vezes perdido

Às vezes

Sentado

 

Na branca areia mar

Onde poiso o meu esqueleto

Onde escondo as minhas sombras

E mergulho no teu púbis

Como uma montanha incendiada

Como uma montanha amargurada

Da branca areia mar

Do amar cinzento

Que lamento

Que invento

Nos teus olhos

A branca areia mar

Do Mussulo

 

 

 

29/07/2023

O dia do nascer em teus olhos morre

 

O dia que foi

O dia que acaba de ser

E morre nos teus olhos

É o dia de ontem

Multiplicado pelo dia de amanhã

O dia que foi

O dia que vai deixar de o ser

Que traz a noite e o saber

E morre nos teus olhos

O dia que ainda vai nascer

 

O dia que foi

Dividido pelo dia que vai nascer

Será o dia sem ninguém

No dia de alguém

Quando o dia de ontem

Morre nos teus olhos

O dia que acaba de o ser

Não o é

Sem o saber

E fé

 

O dia no teu dia

Sendo um outro dia

O dia que foi

O que talvez amanhã será

E morre nos teus olhos

O filho do dia de ontem

Sem perceber

Sem o saber

Que o dia de amanhã

Não será

O dia sem fé

No dia que acaba de ser

 

 

 

29/07/2023

Francisco

O mar de saciar

 

Sacio a tua voz de flor sem nome

Com as amoradas que a noite esconde

Sacio-me com a tua voz depois de a saciar

Com as sílabas do mar

Sacio-te com o sol que desenhei

No cansaço do luar

Alegre

Ou triste

Sacio o teu sonho que também eu sonhei

Que também eu construí

E desenhei

Na tua boca em fome

 

Sacio-te no beijo

No abraço após o desânimo do beijo

Sacio os teus lábios de mel

Como os teus olhos de mar

Sem saber

Que saciar

Eu te sacio quando me esperas na gruta

 

Sacio as tuas mãos com as minhas mãos de enxada

Também ela

Saciada

De ti

Por mim

Toda a noite até que acorde a madrugada

Nem triste

Nem cansada

Mas também ela

Saciada

 

Sacio a tua voz de flor sem nome

Com as amoradas que a noite esconde

Sacio-me com a tua voz depois de a saciar

Com as sílabas do mar

E com os beijos de beijar

 

 

 

29/07/2023

Filme sem saber que o era

 

Talvez ontem tenha acontecido o que vai acontecer hoje.

 

À janela

 

Não sabíamos quem éramos, apenas tínhamos a perfeita noção que cada um de nós, escondia no peito a janela que nos dava acesso aos cheiros e aos sabores do mar; um pequeno barco, ensonado ainda, galgava os socalcos dos sonhos e a Primavera tinha acabado de regressar.

Não sabíamos e somos ainda, veleiros perdidos neste mar de enganos, de cidades adormecidas pelas primeiras chuvas do Inverno, e da janela que trazíamos ao peito, às vezes, ouvíamos o silêncio do desejo galgando a montanha do prazer.

Não sabíamos, não sabíamos quem éramos,

 

Da casa sem janela

 

Éramos nós.

Éramos nós os jardineiros da poesia que a cada dia, em cada pedaço da manhã, deixávamos sobre o perfume das roseiras as últimas palavras da noite.

Ouviam-se então as lamentações do desejo da carne. Rezavam, imitavam os rochedos com os lábios pincelados de além-mar sem ninguém, o furor da madrugada, esquecida numa qualquer mesa de um bar, acordava.

A casa, a casa não tinha janelas, tão pouco os gemidos teus poderiam algum dia, conhecer,

A luz do dia.

E éramos só nós, e em cada um de nós, uma casa, uma casa sem janelas.

 

O corpo – em gemidos I

 

Não sabíamos se éramos. Na minha mão escondias-te, semeava sobre a tua pele pequenos círculos de luz, pequenas lágrimas cinzentas que dos meus lábios acordavam, como quando acorda sobre o teu olhar a primeira estrela da manhã.

Se éramos, depois o soubemos.

Pequenas avenidas habitam o teu corpo, avenidas de silêncio quando sabíamos que todo aquele silêncio,

Era apenas um poema desenhado no teu seio esquerdo; maré de engano, cidade perdida neste longínquo destino,

Sem saber,

Desconhecendo se éramos e não o sabíamos, ou se apenas não sabíamos que éramos.

 

O corpo – gemidos II

 

O clítoris do engano. E se o fomos, em teu corpo o seremos, eternamente o desejo.

Alimentava o teu cio com os livros que li, com os livros que um dia escreverei, e percebia, e percebia que aos poucos, muito lentamente, uma nuvem de veneno se desprendia dos teus lábios, eu bebia-o,

O morria sobre ti.

E ressuscitava anos mais tarde,

Abraçado ao teu cabelo.

 

O quadro sem nome

 

O estranho homem, que não sabíamos quem era, e muitos anos depois, acordou no quarto ao lado, sem perceber que já tinha sido, o que vai ser hoje.

Na parede escondia-se, na parede se tinham esquecido dele.

Lá fora, lá fora apenas a última geada da noite nos esperava, e ele, sem nome, dizia-nos que ser homem estranho, vestido de quadro, finalmente, era um orgulho.

Orgulho.

O estranho, que um dia será, quando depois percebeu que já o tinha sido,

Levantou-se,

Despiu o quadro,

Sentou-se,

E hoje,

E hoje dorme sobre uma lápide de sono.

Mesmo assim, o clítoris do engano. E se o fomos, em teu corpo o seremos, eternamente o desejo.

 

Uma fenda de luz no teu olhar

 

Inventa-se em ti, quando ainda o éramos, inventa-se em ti a melodia da ribeira a contornar a ponte, e que vai galgando cada pedaço do teu corpo, para…

Anos mais tarde,

Chegar finalmente ao mar.

 

O beijo

 

Que foi. Que foi dos lamentos do que ainda somos, por engano, almas esfomeadas, almas desventradas pela sombra, almas mortas, em corpo vivos, em corpos que buscam o prazer nos segredos do mar.

O beijo que era, ou será se foi, enquanto não o era até que soubemos que junto ao rio, até que soubemos que junto ao rio,

O beijo,

Que foi, deixou de o ser.

Hoje é um vadio ambulante, hipotecou todas as palavras numa livraria qualquer, e de beijo que foi,

Hoje,

É o beijo que será quando cair a noite sobre o que éramos; e ardeu neste pedaço de papel.

 

 

 

29/07/2023

Francisco

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Boca-aberta

 

Um beijo que se liberta

Da maré madrugada

Um beijo em alerta

Sem saber que o nada

 

Dorme nos penedos junto ao mar

Um beijo de beijar

Um beijo que se liberta

Do poema amar

No poema com parte incerta

 

Um beijo de beijar

No beijo em desejo desejar

Um beijo que se liberta

Do beijo em descoberta

De beijar

Este boca-aberta

 

 

 

28/07/2023

Dois morcões

 

Não vou falar mais contigo sobre a tristeza

Já estamos todos numa outra Galáxia

Não vou falar mais contigo sobre o vento

Sobre as acácias da minha infância

Não me importo

Olha

Sabes

Onde descobri que não estou louco

Não?

Não pai

Cansado

Muito cansado diz o nosso amigo

 

Não vou falar mais contigo sobre o AL Berto que às vezes te lia

E a mãe achava mais piada de que tu

Como sempre

 

Não vou falar mais contigo sobre a tristeza

Sobre a pedra cinzenta onde me sento

E escondo

O meu mar

Não falar mais contigo sobre os meus desenhos

Porque não me apetece

Porque não quero falar mais contigo sobre a tristeza

 

Não vou falar mais contigo sobre as fotografias que herdei de ti

E eu que sou poeta

Não tive nem um terço das donzelas que tu tiveste

E no entanto

E, no entanto, parecias um morcão

E quando estávamos juntos

Éramos dois morcões…

Dois morcões que eram apaixonados pela noite

E pelas mãos e pelos lábios

Da noite.

 

 

 

28/07/2023

Luís

quinta-feira, 27 de julho de 2023

O grito

 

Amo-te da solidão dos dias

Dos dias sem ninguém

Junto às amoradas da insónia

Amo-te na solidão da noite

Quando alguém lança ao mar

O silêncio de prata

Amo-te das mãos destas flores adormecidas

Envenenadas pelas estrelas

Tristes

Sofridas

 

Amo-te enquanto lá fora

Uma lâmina de tristeza

Teima em entrar em mim

E despertar

E adormecer

Amo-te sabendo que existe um muro de sombra

Um pequeno espelho vestido de granito

Amo-te embrulhado ao grito

De gritar para a lua

E agradecer ao sol…

Que te amo.

 

 

 

27/07/2023