sábado, 15 de julho de 2023

Perfume

Na tua pele há um rio em desejo

No pôr-do-sol do teu silêncio.

Na tua pele crescem as sílabas da manhã

E as lágrimas da noite anterior.

Na tua pele,

Na tua pele acorda o perfume do abraço,

Na tua pele

Escrevo um poema,

Escrevo uma manhã antes de acordar.

 

Na tua pele desenho o navio que não encontro,

Os círculos de luz que aos pucos…

Se extinguiram contra o rochedo de uma qualquer coisa,

Sem nome,

Na tua pele,

Na tua pele sacio a fome,

 

Na tua pele,

Na tua pele procuro o que nunca tive,

E deito fora,

Tudo aquilo que tenho,

Na tua pele,

Na tua pele deixo o rio da poesia…

E escondo-me nas estrelas.

 

 

15/07/2023

Esconderijo

 

Escrevo-te

Escrevo-te enquanto a terra roda

Enquanto os rios correm para o mar

Escrevo-te

Escrevo-te sabendo que daqui a pouco é noite

Que daqui a pouco ergue-se sobre mim uma tempestade de insónia

E a terra

Sempre a girar

Sem parar,

 

Escrevo-te

Escrevo-te acreditando que os meus desenhos são uma merda

Que aquilo que escrevo

Tirando o meu testamento

É uma merda

Escrevo-te

Escrevo-te enquanto o som do mar

Do meu mar

Não se cansa de me gritar,

 

E no entanto

Escrevo-te.

Escrevo-te antes que uma espada de luz ofusque o meu olhar

Escrevo-te

Escrevo-te antes que estes traços de sono

Ganhem vida própria

E depois…

E depois fujam para o mar,

 

Escrevo-te.

Escrevo-te acreditando que quando regressar a noite

As palavras que te escrevo

Ganhem vida

E se escondam nos teus lábios.

 

 

 

15/07/2023

 


Um pouco mais de azul

 

Podia falar-te de literatura,

Dos livros que amo,

De poesia,

Podia falar-te dos poemas mais lindos que li,

Podia falar-te de pintura,

Filosofia…

Mas não,

Já nada disso me dá prazer,

Aliás,

Já nada me dá prazer…

A não ser…

Comer chocolates.

 

Podia falar-te dos meus sonhos,

Que já não tenho,

E se ainda me resta algum…

É precisamente morrer no dia do meu aniversário,

Num qualquer Vinte e Três de Janeiro.

 

Podia falar-te do Universo,

De Deus,

De tudo,

E de nada,

Podia falar-te…

A não ser…

Comer chocolates.

 

Sento-me,

Olho este pobre desenho que acabou de nascer,

Dou-lhe vida,

Ergue-se um traço,

Abraçam-se dois traços a um pedacinho de azul…

E eu,

Como chocolates.

 

Como chocolates e percebo que nada faz sentido,

Enquanto isso, penso,

Como chocolates,

E dou razão ao senhor Álvaro de Campos,

Quando da janela olha a piquena…

E acaba por concluir que não há nada melhor na vida…

Do que comer chocolates.

 

E enquanto a piquena come chocolates,

Eu e o Esteves…, junto à Tabacaria,

Desenhamos cigarros na fimbria escuridão do mar…

 

Podia falar-te de AL Berto,

Do Pacheco,

Podia falar-te do Kundera…

(Coitado,

Faleceu esta semana),

Podia falar-te de Lobo Antunes, do António,

Podia falar-te de Cesariny…

Podia falar-te de Gunter Grass,

Do Gogol e das suas Almas Mortas,

Podia…

Mas já não telho prazer de falar dessas coisas,

Já não tenho prazer de falar-te de nada,

 

A não ser,

Comer chocolates.

Podia falar-te da minha infância,

De uma Luanda que nunca vou esquecer…

E que amarei até morrer,

Podia falar-te da chuva,

Do vento…

Podia falar-te da Primavera,

Ou das primeiras lágrimas da manhã.

 

Mas não. Vou falar-te de chocolates.

Podia falar-te do silêncio,

Da solidão,

Da loucura de estar vivo…

Podia falar-te de Hemingway,

Do Velho e o mar,

Podia falar-te de Proust,

Ou das cinzas que escondo no coração…

Podia falar-te na hipótese de viajar no tempo…

Mas não,

Prefiro comer chocolates…

E ainda acreditar que quando abro a janela…

Todo o mar, entra.

 

 

 

15/07/2023

Francisco

sexta-feira, 14 de julho de 2023


 No Juízo final,

Os bons, fodem-se…

Os maus, são promovidos…

E as “Gajas” que acreditam ser o centro do Universo…

Lamento informá-las,

Mas ainda não é possível determinar

O centro de uma distância infinita.

 

(enquanto defecava um pedacinho do meu cansaço)

 

14/07/2023

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Sem título

 


Coisas da minha fé em vergonha

 

Isto,

Isto não é nada,

São riscos em pedacinhos de corrida,

São traços,

Dos abraços…

Que uma pobre flor

Semeia na madrugada,

 

Isto,

Isto não é nada,

São cores,

Em flores de papel,

São palavras,

Em geadas palavras,

 

Isto,

Não…

Isto não é nada,

São sombras,

Das coisas de ninguém,

Nos traços de nada,

Dos traços de alguém,

 

Isto,

Isto nunca poderá ser nada.

É uma janela,

Desenhada,

Nesta triste folha em papel…

Uma janela…

De nada,

Numa parede sem ninguém,

 

Isto,

Isto nada é,

Enquanto um outro eu,

Pertencer às manhãs que o mar lançou contra a maré…

De nada,

Isto é…

Isto,

Isto não é nada,

São traços,

São riscos…

São pedacinhos da minha vergonha,

Na vergonha da minha fé.

 

 

 

13/07/2023

Francisco Luís Fontinha