Podia falar-te de
literatura,
Dos livros que amo,
De poesia,
Podia falar-te dos poemas
mais lindos que li,
Podia falar-te de
pintura,
Filosofia…
Mas não,
Já nada disso me dá
prazer,
Aliás,
Já nada me dá prazer…
A não ser…
Comer chocolates.
Podia falar-te dos meus
sonhos,
Que já não tenho,
E se ainda me resta algum…
É precisamente morrer no
dia do meu aniversário,
Num qualquer Vinte e Três
de Janeiro.
Podia falar-te do
Universo,
De Deus,
De tudo,
E de nada,
Podia falar-te…
A não ser…
Comer chocolates.
Sento-me,
Olho este pobre desenho
que acabou de nascer,
Dou-lhe vida,
Ergue-se um traço,
Abraçam-se dois traços a
um pedacinho de azul…
E eu,
Como chocolates.
Como chocolates e percebo
que nada faz sentido,
Enquanto isso, penso,
Como chocolates,
E dou razão ao senhor
Álvaro de Campos,
Quando da janela olha a
piquena…
E acaba por concluir que
não há nada melhor na vida…
Do que comer chocolates.
E enquanto a piquena come
chocolates,
Eu e o Esteves…, junto à
Tabacaria,
Desenhamos cigarros na
fimbria escuridão do mar…
Podia falar-te de AL
Berto,
Do Pacheco,
Podia falar-te do Kundera…
(Coitado,
Faleceu esta semana),
Podia falar-te de Lobo
Antunes, do António,
Podia falar-te de Cesariny…
Podia falar-te de Gunter
Grass,
Do Gogol e das suas Almas
Mortas,
Podia…
Mas já não telho prazer
de falar dessas coisas,
Já não tenho prazer de falar-te
de nada,
A não ser,
Comer chocolates.
Podia falar-te da minha
infância,
De uma Luanda que nunca
vou esquecer…
E que amarei até morrer,
Podia falar-te da chuva,
Do vento…
Podia falar-te da
Primavera,
Ou das primeiras lágrimas
da manhã.
Mas não. Vou falar-te de
chocolates.
Podia falar-te do
silêncio,
Da solidão,
Da loucura de estar vivo…
Podia falar-te de Hemingway,
Do Velho e o mar,
Podia falar-te de Proust,
Ou das cinzas que escondo
no coração…
Podia falar-te na hipótese
de viajar no tempo…
Mas não,
Prefiro comer chocolates…
E ainda acreditar que
quando abro a janela…
Todo o mar, entra.
15/07/2023
Francisco