sábado, 8 de julho de 2023

Nos braços da ausência, voava

 

Voava dentro daquele espaço curvilíneo,

Nas paredes,

Construídas de vidro invisível,

Escondiam-se janelas,

Voava dentro daquele espaço,

De mão atadas,

De pernas atadas…

E sentia-me…

E sentia-me tão feliz,

 

Às vezes,

Às vezes vendia o cansaço

A troco de nada,

E voava,

Voava,

E só regressava…

Pela madrugada,

 

Voava dentro daquele espaço

Nauseabundo,

Infestado de pulgas,

Percevejos

Abelhas…

E agulhas mortas,

 

E voava…

Dançando sobre o vento,

Despia-me,

Vestia-me…

E quando acordava…

Agradecia a Deus…

Por estar vivo,

 

E eu voava,

Voava…

Nos braços da ausência.

 

 

 

08/07/2023

Francisco

Sebastião

 Sebastião, o grande louco,

Filho de um louco,

Acreditava,

Acreditava que dentro da insónia

Habitam todas as estrelas mortas,

 

Sebastião não sabia,

Porque era louco,

Um pouco, às vezes de muito pouco…

Sebastião não sabia que as estrelas mortas

São desejos não realizados,

 

Sebastião não sabia,

E sofria,

Sebastião não sabia,

Por exemplo,

Que o cume de uma montanha…

Em poucos minutos…

Transforma-se numa planície,

Tanta coisa, tanta coisa que o Sebastião não sabia…

 

E não sabia,

Porque o Sebastião era um pouco,

Touco,

Pigmeu dançante…

Louco de profissão…

E Tolo em Doutoramento,

 

Sebastião era Tolo,

De pouca inteligência,

Segundo o dicionário “Priberam” …

Mas o que Sebastião não sabia,

Coitado do Sebastião…

Não sabia a raiz quadrada de trinta e seis…

E desconfiava dos números do Euromilhões.

 

 

 

08/07/2023

Francisco

A luz

 

Suicido-me nos braços deste poema

Cravo-o no peito,

Suicido-me com este poema inacabado,

Neste poema sem destino

Marcado,

Quando as primeiras lágrimas de sono

Descem sobre o teu peito,

 

Suicido-me nos teus lábios

Doce madrugada florida,

Pertinho do mar…

 

Suicido-me nos teus olhos

Depois de eu cerrar os meus…

E escrever na tábua da paixão,

Desejo-te,

 

Suicido-me nas tuas mãos,

Enquanto afagas o meu cabelo,

Suicido-me na tua boca,

Doce canção de Primavera,

Que me traz o prometido abraço,

 

Suicido-me no perfume da tua pele

Quando te banhas nos sais do silêncio

E a tua insónia…

É a minha insónia,

Suicido-me nos braços deste poema,

Sem nome,

Deste poema com fome

Um tiro nos miolos…

Com esta caneta que nunca pára de escrever…

O teu nome,

 

Suicido-me no pôr-do-sol

Junto ao mar,

Procurando abraços,

Vendendo almas ao Diabo…

Suicido-me na espuma dos teus dias,

Suicido-me dentro deste livro,

Que não me canso de escrever…

E que nunca terminarei de escrever,

 

Suicido-me na Lua,

Quando a Lua me quiser,

Se alguma vez a Lua me querer,

Suicido-me neste relógio parvo,

Ignorante,

Que pensa,

Que pensa,

Que pensa…

 

Suicido-me na chuva

Quando mergulha no teu cabelo…

E um silêncio de espuma,

Poisa nos teus seios,

 

Suicido-me por volta da meia-noite,

Dizem que fica a metade do preço,

Suicido-me nas palavras que escrevo

E nas palavras que não devo…

Escrever,

Palavras,

 

Suicido no teu sorriso,

Cânfora manhã sem destino…

Suicido-me dentro deste laminado de sonhos,

De sonhos…

Nenhum cumprido,

 

Suicido-me porquê,

Dentro deste poema,

Sem nome…

Sem sexo,

Sem idade…

Suicido-me nos teus seios,

Antes que uma manhã qualquer…

Tos roube,

 

Suicido-me nestas palavras parvas,

Que às vezes,

Sinto VERGONHA DE AS ESCREVER…

Suicido-me contra o silêncio,

Suicido-me contra as estrelas em papel,

E também…

Contra aqueles malditos papagaios em papel…

Colorido,

 

Suicido-me nos braços deste poema

Cravo-o no peito,

Suicido-me com este poema inacabado,

Neste poema sem destino

Marcado,

Quando a luz me vier buscar.

 

 

 

08/07/2023

Francisco

Desenho sem sentido

 

Desenho um abraço

Em silêncio abraço

Nos olhos da Lua

Dos olhos do mar,

Escrevo um sorriso

Nos lábios do Sol,

Em silêncio sorriso…

O abraço desenhado,

Nos olhos da Lua…

 

Desenho o tempo

Em perfeito juízo

O abraço desejado

Do abraço prometido

Sentido…

Na fimbria madrugada,

 

Desenho o poema

Do sofrido poema

Nos olhos do mar

Em silenciado sorriso…

Deste poema amargurado

Triste…

Neste poema sem sentido

Quando da noite…

O silenciado abraço,

Morre…

Nas mãos do Luar.

 

 

 

08/07/2023

Francisco

Oração à noite


Peço à noite

Que deixe cair o luar nos teus lábios

E que às estrelas do teu olhar

As guarde junto ao peito,

 

Peço à noite

Que seja sempre a noite

Da noite que nos esconde

À noite de quando sentados junto ao rio…

 

E digo à noite

Que nos proteja de todas as noites

Das noites de poesia

Às noites em desejo.

 

 

Francisco Luís Fontinha

(inédito)

Mulher de negro

 

No olhar

Dos teus lábios

Há um pedacinho de mel em poesia

Que se esconde

Que grita…

A cada novo dia.

 

08/07/2023

Porquê

 Despeço-me de mim, despeço-me das coisas simples, despeço-me de todo o silêncio que construí,

Despeço-me deste cansaço, despeço-me deste esqueleto que transporto…

E do último abraço,

Às vezes, às vezes pareço o meu pai…

(no final da doença)

Que me questionava

Se era de dia

Se era de noite,

Depois dizia…

Sabes filho, já nem sei se é dia…

Já nem sei se é noite…

Tanto faz

Dizia-lhe eu,

 

Despeço-me das sílabas que lancei ao mar,

Despeço-me das palavras que escrevo…

Das palavras que escrevi…

Dos rabiscos

Da chuva,

Despeço-me das primeiras luzes da manhã,

Despeço-me da última estrela que me olhou…

E se esconde dentro de um círculo de luz com olhos verdes,

 

Despeço-me da solidão,

Ela despede-se de mim…

Trocamos um abraço,

Gravamos os nossos nomes dentro do nosso coração…

E partimos para esta invisível viagem,

Despeço-me da poesia,

Do dia,

Da noite,

Quando quase sempre a noite despede-se de mim,

 

Despeço-me da geometria,

De Deus,

E novamente,

Da poesia,

Que morra a poesia e este poema de “merda”,

Despeço-me da Terra e do mar,

E do mar e da Terra,

Despeço-me em silêncio,

Dos barcos da minha infância,

Despeço-me…

Sem saber o que é a despedida.

 

 

08/07/2023

Francisco