(acrílico
s/tela. 60cm x 80cm)
Aprisiono cada pedacinho do teu sono,
Roubo a tua madrugada,
E escondo-a dentro do meu peito...
(acrílico
s/tela. 60cm x 80cm)
Aprisiono cada pedacinho do teu sono,
Roubo a tua madrugada,
E escondo-a dentro do meu peito...
Antes de 9 de Maio de 1994
(ao meu grande amigo Dr.
Luís Castelo Branco, aos meus pais, e a todos aqueles que não desistiram de
mim)
Amava-te
Amava-te loucamente
Amava-te e desejava-te
apaixonadamente,
Despia-te lentamente para
que nenhum pedacinho do teu silêncio
Se perdesse no pavimento,
Deitava-te sobre o fino lençol
de alumínio prata,
Depois…
Ai depois… meu amor…
Depois saboreava cada milímetro
quadrado do teu corpo,
Às vezes,
Momentaneamente,
Adormecia…
Outras… outras parava de
te manusear…
E olhava-te,
Desenhava o teu movimento
pendular,
E pensava
(há quem diga que hoje
não devia pensar tanto)
Pensava… pensava como
deixar de te amar…
Outras vezes,
Algumas vezes,
Não adormecia momentaneamente…
Mas…, mas parava de te
tocar,
Então…
Então deixava-te suspensa
no lençol de alumínio prata, na minha mão esquerda,
Na minha mão direita,
O isqueiro…
E na boca o senhor Manuel Maria Barbosa du Bocage,
forrado a alumínio prata,
E quanto mais eu pensava…
Mais eu te amava,
E depois olhava o teu
cabelo ondulado em finas tranças de madrugada…
Em direcção à minha boca,
Amava-te
Amava-te loucamente
Amava-te e desejava-te
apaixonadamente,
E tu… e tu dançavas
minutos a fio
Sobre um lençol de alumínio
prata,
Eu, quase sempre,
indiferente ao ondulado teu corpo…
Via-te,
Via-te subir,
Via-te descer,
Tudo isso dentro de toda
aquela luz nocturna,
E aos poucos,
Muito lentamente…
Começavas a desparecer,
Até que apenas um
pedacinho de sémen em carvão ficava sobre o lençol de alumínio prata,
Deitava para o lixo o lençol,
Puxava de um cigarro…
Escrevia qualquer coisa
num qualquer papel que estivesse sobre a secretária…
Ou na página de um
qualquer livro…
E porra,
Já me apetecia novamente
estar nos teus braços,
Beijar-te,
Saborear o teu cabelo
ondulado…
Escrever nos teus lábios,
Deitava-me,
Deitava-me sabendo que o
sono não regressaria…
Coitado do sono,
Coitado dele e de mim,
Começava a sentir um
gélido lençol de geada sobre o meu corpo,
Às vezes, às vezes adormecia
com o casaco vestido,
Imagina, meu amor, quando
fosse Inverno,
Um verdadeiro inferno de
dor,
Regressavam os vómitos,
Os calafrios…
E até diarreia…
Às vezes, febre…
Os meus ossos pareciam os
ramos dos arbustos quando está vento…
E mesmo assim, ainda te
amava… amava-te tanto…
E pensava como
esquecer-te,
E pensava em mil e uma
maneiras de te odiar…
Mas como podia eu na
altura te odiar…
Como poderia eu odiar
quem amava tanto…
E… ou continuava a amar-te
loucamente e morrer nos teus braços,
Ou simplesmente te esquecer…
Fugir de ti,
Para sempre,
Para sempre e para longe;
E hoje, estou aqui… aqui
para muito longe.
Longe de ti.
Alijó, 30/04/2023
Francisco Luís Fontinha
(acrílico s/tela. 70cm x
100cm. Francisco Luís Fontinha – Alijó)
Procurava o silêncio no
teu cabelo
(enquanto este não voou
para o mar)
Procurava o silêncio nas
tuas mãos enceradas
Pelas metáteses das
madrugadas,
Procura nas estrelas
A tua voz cansada
Da tua voz em delírio
Enquanto eu rezava,
Sim, mãe
Enquanto eu rezava que
partisses brevemente
Porque o silêncio que eu
procurava
No teu cabelo…
Aos poucos…
Lentamente…
No inferno se
transformava
(esse teu cabelo, mãe…
que voou para o mar),
Procurava
Em ti…
O silêncio que me
faltava,
Procurava…
Procurava…
Procurava no teu cabelo
As tardes em brincadeira
Quando jogávamos às
escondidas
Ou…
Ou quando me construías papagaios
em papel
Coloridos,
Procura no teu cabelo
As estrelas e o mar do
Mussulo
Ou apenas…
O teu forte abraço,
E eu
Não me cansava,
Nunca me cansei de ti…
E de procurar…
No teu cabelo…
O silêncio
E o cheiro do mar,
Procurava no teu cabelo
As cidades perdidas da
minha infância
O cheiro da terra
queimada
Depois da chuva…
Ai o que eu procurava…
Procurava no teu cabelo
O medo da despedida
Sem que eu soubesse…
O significado de
despedida
Mas eu não me cansava…
E procurava
Em ti
O silêncio que me
faltava,
E sabes
Quão feliz fiquei
Quando me disseram…
(Quando a minha voz rouca
Das noites sem dormir…)
Do outro lado…
Me disseram que tinhas
acabado de partir…
E confesso-te
Mãe…
Tão feliz que fiquei…
Tão feliz…
Todo o teu sofrimento…
Tinha-se vestido de
saudade…
E eu…
Desenhei um sorriso do
tamanho do Universo
E deixei de procurar.
Alijó, 30/04/2023
Francisco Luís Fontinha
(quadro: acrílico s/tela –
60cm x 50cm – Francisco Luís Fontinha)
Que cidade é esta
Meu amor
Desta cidade onde te
procuro…
Nesta cidade onde me
sento,
Que cidade é esta
Meu amor
Nesta cidade de encanto
Nesta cidade desconhecida
Que quase sempre se
esconde na madrugada.
Que cidade
Esta cidade
Meu amor,
Que cidade é esta
Meu amor
Desta cidade onde te
procuro…
Enquanto o vento me leva…
Vagarosamente…
Para os teus braços.
30/04/2023
Francisco Luís Fontinha
“O sono
Esse pequeno silêncio que
a noite traz
Essa nuvem de espuma das
amoreiras em flor,
O sono…”
Acrílico s/tela. 70cm x
100 cm. Francisco Luís Fontinha – Alijó
Se eu pudesse escrever qualquer coisa no meu corpo
Certamente
Quase de certeza
Escreveria… vende-se.
Vendem-se duzentos e
seios ossos
Todos em bom estado
Diga-se
Ossos de um só dono
E em boa conservação
E a bom preço.
Mas actualmente
Ninguém quer comprar
ossos…
Querem lá eles e elas saber
de ossos e afins
E olhem
Menina?
Menino?
Nunca fracturei ou parti qualquer
um dos meus ossos.
Também poderia escrever
no meu corpo
Outras muitas coisas
De que…
Vende-se.
Mas por agora
No mercado do luar
Despacho os ossos
Também… não me servem de
anda
E daqui a uns tempos
parecem mais gonzos à procura de sexo
Ferrugentas navalhas de
barbear
De que ossos
Os meus ossos.
Se eu pudesse escrever
qualquer coisa no meu corpo
Certamente
Quase de certeza
Escreveria… vende-se.
Se eu pudesse escrever
qualquer coisa no meu corpo
Certamente
Quase de certeza
Escreveria… vende-se
(Vendem-se duzentos e
seios ossos
Todos em bom estado)
Poderão ser cozinhados
Fumados…
Ou bebidos
Os ossos têm uma enorme utilidade
E olhem
Menina?
Menino?
Servem para fazer pentes
Pentens que brincam com o
cabelo da lua
Há jóias construídas em
osso
Outras tantas coisas em
osso
Há ossos felizes
Ossos tristes
E os meus;
Os meus ossos
Os meus míseros duzentos
e seis ossos.
Alijó, 29/04/2023
Francisco Luís Fontinha
Não mates
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
No bairro da Vila Alice
Ou no Madame Berman
Não mates a criança que
brincava
Comigo
Quando nos perdíamos às
escondidas
Debaixo do sombreado das
mangueiras,
Lembras-te?
De quê, mãe?
Quando desenhavas no
olhar
O perfume das mangas
E ficavas sentado…
eternidades
Ainda o consegues
desenhar?
Não, mãe…
Perdi o traço do perfume
das mangas
Já não sei desenhar o
perfume das mangas, mãe…
Não mates
Não mates meu querido
filho
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
A criança que era apaixonada
por barcos
Que amava as estrelas do
tecto do quarto…
As estrelas que falavam, mãe?
Sim, claro, essa mesmo…
E chegavas lá
Sentavas-te na cama…
E adormecia, mãe
Adormecia enquanto elas
me contavam estórias
E faziam comigo
brincadeiras…
Tantas brincadeiras, mãe
Não mates
Não mates a criança que
brincava dentro de ti junto ao Baleizão
Oferecíamos-te gelados
Não gostavas
Oferecíamos-te sumos
Não gostavas
Oferecíamos-te rebuçados
Não gostavas
Oferecíamos-te chocolates
Agora gosto, mãe
Agora como chocolates,
Eras um ranhosinho
É ranhosinha, mãe
Ranhosinha…
Não mates
Não mates o meu menino
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
E construía papagaios em
papel
E coisas
E muitas coisas
Mas… mãe?
Sim?
És tolo
Eu sei, mãe
Eu sei
Não mates
Não mates a criança que
brincava dentro de ti
Aqui
E ali
Não
Não meu querido filho
Não mates essa pobre
criança
Das brincadeiras
Não a mates
Mas, mãe?
Sim…
Que criança é essa que
brincava dentro de mim, mãe?
É a vida, meu filho
A vida…
A vida?
O que é viver, mãe?
Viver, meu filho…
Viver é amar
Amar.
Alijó, 29/04/2023
Francisco Luís Fontinha