terça-feira, 18 de abril de 2023

Janela da minha infância

 Desta janela

Oiço o mar da minha infância

Desta janela oiço os pássaros da minha infância

Desta janela

Brinco com os meninos da minha infância,

 

Através desta janela

Regressam a mim os cheiros

Os sonhos

E todos os cheiros da minha infância…

E desta janela… toco nos papagaios em papel da minha infância.

 

 

Bragança

18/04/2023

Francisco

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Anjo azul

 Semeio nos teus lábios de pétala

Os beijos que o luar desenhou

Beijo os teus lábios em pétala…

Flor do meu castelo

Vinhedo com vista para o Douro…

Socalco da tua maré em sono

Enxada do cansaço

No teu corpo misturado

Semeio nos teus lábios

O abraço

A palavra que grita

E grita

Grita…

 

A palavra em finos traços

Gemido na madrugada

Semeio nos teus lábios

A Primavera

E todas as árvores que acordam com a Primavera

Coração ao vento

Enquanto a barcaça do desejo

Rodopia em pequenos círculos

Semeio a palavra

Semeio

Semeio na tua mão

O silêncio

Enquanto o teu anjo azul escreve no teu olhar…

Amo-te

Enquanto o teu anjo azul…

Pincela os teus lábios de doce mar

E uma gaivota em liberdade…

Voa em direcção ao Sol

Sem perceber que o Sol...

Que o Sol é a paixão disfarçada de luz.

 

 

 

Alijó, 17/04/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de abril de 2023

Olhos em cereja

 São as cerejas

Meu amor…

São as cerejas os olhos da Primavera,

São as cerejas meu amor,

São de cereja os teus olhos de mar…

Dos teus olhos em Primavera.

 

São em cereja

No encarnado desejo

São em cereja meu amor

O teu beijo

São de cereja meu amor…

Os teus lábios em cereja.

 

São as cerejas

Meu amor…

São as cerejas os olhos da Primavera,

Dos teus lábios em mel,

Dos teus lábios em cereja…

Meu amor de cereja.

 

 

Francisco

16/04/2023

O poema do amor

 O poema

Do amor

Do poema de amor.

 

O poema simples

No poema apaixonado

Entre poemas

Na cama

deitado

No poema

Puxo de um poema…

Fumo-o…

Como se fumam todos os poemas

Poemas em mortalha

Poemas ao cachimbo

Chique

Nada chique

Com um pouco de gelo

Poemas de amor em lume brando

Quinze minutos no forno

E pronto a consumir

Poemas congelados

Semifrios...

 

Poemas de amor

Do amor em poema

Em pessoa do amor

Junto à maminha esquerda.

 

Deste e daquele poema

Daquela ou desta janela

O poema

Em amor

Do amor

Do amor em poema.

 

Do amor às palavras

Às palavras de amor

O vento

Na tromba do poeta

Que chora

Que está em dor

Do poema

Quando este poema

Nascer do amor

No amor morrerá

Como morrem todos os poemas que nascem do amor.

 

No poema

Ao amor

Do amor entre flor e pedra e sombras de pedra

Em pedra

Em grão

Todo o poema

Todo o poeta

Tem fome

Quer pão

Quer palavras

Poemas na brasa

Poeta

Cancelas

E cabras.

 

Se o poeta morre

É herói

Condecorado postumamente…

Antes disso

Miserável pela cidade

Senta-se sobre um poema

Descasca o poema

E come-o

Come poemas

Come poemas

Olha que comendo poemas vais engordar

Nasce o sol

Põe-se o sol

E de todos os poemas comidos

De todos os mastigados

E de todos os poemas fumados

Este

Este pobre poema

É o mais saboroso

De todos os poemas desejados.

 

Vem a chuva

Traz um poema

Traz um poema e bebe o veneno do poema

Fuma o poeta

Come-o até se o quiseres…

O maldito do poeta

O maldito do poema

Mas não bebas as pétalas do poema

Não as fumes

Por favor

Não

Não

Não o faças.

 

Um poema

Em amor

Do poeta amorado

Este pobre poema

Deste pobre poema fumado

Abre a janela

Chama o poema do mar

Dá-lhe um beijo nos lábios

Sim

Nos lábios do poema

Do poeta

Na noite em poesia.

 

Do amor em poema

Entre poemas

Nos poemas

Que o amor do poeta

Escreveu no rabo do poema

Junto ao crucifixo do poeta

Senta-se

Morre

Levita e ressuscita ao terceiro dia junto ao rio

Vai à algibeira

Procura um poema

Fuma o poema

Depois

Procura na outra algibeira

A dose diurna do outro poema

Algumas gotículas

E bebe toda a porção…

O poema contorce-se

Distorce-se

Abraça-se ao poeta e à esferográfica do poeta

Do poema

O morto poeta

Quando o amor do poema

É o próprio amor do poeta

E um pedaço de sémen poético poisa sobre a mão do poema

O poeta fuma-o

E do fumo…

E do fumo mais um poema

Poema em fumo

Lume brando

Junto ao rio

Gargalhadas

Nojo

Nojo dos poemas de fumo.

 

O poema

Do amor

Do poema de amor.

 

 

Francisco

16/04/2023

Tinta permanente

 Pega na tua melhor roupa

E veste-a.

Depois

Procura a espingarda de tinta permanente,

Uma pequena folha em papel…

E dispara.

Mata tudo aquilo que dentro de ti habita,

Dispara,

Dispara…

E suicida-te na paixão das palavras.

Não tenhas medo de morrer…

Não tenhas medo em morrer acorrentado às palavras,

Dispara,

Mata;

Mata tudo aquilo brilha quando nasce o dia…

Mata e dispara

Puxa o gatilho

Porra

Mata-me

Caneta dum caralho.

 

Veste a tua melhor roupa.

Penteia-te e barbeia-te,

Calça os teus melhores sapatos,

Depois,

Puxa de um cigarro,

Acende o cigarro,

E dispara,

Mata tudo,

Mata.

Mata todos os poemas de merda que escreveste.

Não tenhas medo de puxar o gatilho da tua esferográfica…

 

Mata.

Mata-te.

Mata-os e mata as flores do teu canteiro sonolento,

Dispara,

Não tenhas medo de disparar essa velha espingarda,

Não tenhas medo de o fazer,

Mata tudo.

E depois mata-te…

Puxando o gatilho de tinta permanente.

 

 

Francisco

16/04/2023


 Um dia, um dia seremos poeira, um dia seremos a fotografia na secretária de alguém, um dia…

Um dia somos tudo, ao outro dia… somos nada.

Pequena espada de luz

 A espada de luz

Que aos poucos se alicerça no meu peito

É a chave que a noite me dá

É a chave que a noite me tira

A espada de luz

Que invento nos meus olhos

Será o veneno dos meus sonhos

Enquanto eu tiver sonhos

Enquanto eu tiver vida,

 

Enquanto eu tiver noite

Enquanto eu tiver olhos

Enquanto esta espada de luz tiver vida

Vida própria

Emoções

Cansaços

E desilusões,

 

Esta pequena espada de luz

Levar-me-á ao silêncio dos teus olhos

Enquanto os teus olhos

Enquanto esta espada de luz

Tiverem vida

Enquanto o meu peito

For um pedaço de mármore abandonado

Um pedaço de mármore sem memória.

 

 

 

16/04/2023

Francisco Luís Fontinha