domingo, 8 de janeiro de 2023

Bom dia

 Bom dia,

Quando o homem morre

Enquanto o homem morre debaixo de um seixo,

 

E eu poderia ter sido tudo

E escolhi não ser nada,

 

À parte disso

Uma estúpida chuva de sono

Desce pelo meu corpo

E sinto em mim as nuvens de sangue da madrugada,

 

Bom dia,

Bom dia para esta manhã lindíssima

Das pedras e dos silêncios

Da morte

E de todos aqueles que morrem

E que descobrem a felicidade,

 

Bom dia,

Bom dia aos esqueletos de insónia

E aos grandes filhos da puta desta triste vida,

 

Bom dia,

Bom dia à chuva

Bom dia à poesia e à literatura

Bom dia aos poemas de merda que escrevo

E que vou continuar a escrever,

 

Bom dia,

Bom dia ao Universo…

 

Um bem-haja a todas as coisas mortas!

 

 

 

 

 

Alijó, 8/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Francisco Luís Fontinha – Mercadelho de Reis

 


Ontem estive presente no Mercadelho de Reis, em Alijó, no Mercado Municipal de Alijó.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O bosão de Higgs

 Todo o Universo

Frio

Muito frio e escuro,

 

Deste meu Universo

Que me perco nas avenidas que o luar incendeia

Que me esconde

Quando quero chorar

E me penteia,

 

E tenho vergonha,

 

E tenho medo,

 

E só me apetecia voar…

 

Neste Universo

O Universo que ninguém compreende

Nem entende

Porque esta matéria escura

Fria

Muito fria

E infinita como o infinito amanhecer das tuas mãos

Lhe chamam de Universo

Quando a podiam chamar de solidão,

 

Ou de caixão

Ou de livro de anedotas

Este Universo

Com verso

Sem verso

Com a mão

Cortando-lhe a mão

Enquanto a Terra andas às voltas

Às voltas com o bosão…

Com o bosão de Higgs.

 

 

 

 

Alijó, 05/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Um pedacinho de saudade

 Roubaram-me os dias

Como os catraios ou as catraias

Roubam uma laranja

Do quintal do vizinho,

 

Depois

Depois começaram a roubar-me quase todos os pedaços da noite

Deixando-me apenas um minúsculo pedacinho de noite

Um pedacinho que aproveito para escrever

Estar vivo

E respirar as palavras que vêm do mar,

 

Também me roubaram a alegria

E as estrelas que a minha mãe desenhava no tecto da minha alcofa…

 

Roubaram-me os dias

Como quem rouba uma laranja

E depois

Quando a laranja está na mão da noite

Vem o invisível silêncio

Que com a faca da saudade

Recorta-me em pedaços

Pedacinhos

Muitos pedacinhos…

E fico tal e qual como a noite,

 

E pergunto-me

Para que serve um pedacinho igual ao pedacinho da noite

Quando do pedacinho de mim

O outro pedacinho da noite

Come os sobejantes pedacinhos do meu corpo

Deixando sobre o mar

Todos os outros meus pedacinhos,

 

E se alguém comprasse pedacinhos

Pedacinhos do meu corpo

Vendia-os

Dava-os

Alimentava todos os animais da Terra

Alimentava-os com os pedacinhos de mim,

 

Não sou ganancioso

Não

Nunca o fui…

 

Um pedacinho de qualquer coisa… está bom para mim

Não preciso de mais

E até me contento apenas com um pedacinho de saudade,

 

Um pedacinho apenas.

 

 

 

 

Alijó, 05/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Menina que estás sentada

 

Menina que te sentas junto ao rio

Que tens na mão

Um livro envenenado

Que tens nos olhos uma lágrima de sangue,

 

Menina que estás sentada

E que lês as palavras que semeio

E que beijas as palavras que lanço ao vento,

 

Menina que esperas o mar

Quando o mar está sereno

E calmo como as estrelas da madrugada,

 

Menina que estás sentada

E ergues as mãos para a minha morada

Não tenhas medo

Medo da alvorada…

Não tenhas medo

Medo de estar sentada.

 

 

 

Alijó, 05/01/2023

Francisco Luís Fontinha

Estrelas que morrem

 

Não tenho pressa

Que as flores cresçam no meu jardim,

 

E enquanto as flores do meu jardim

Crescem

Não crescem

Há uma estrela que morre

Nas mãos de uma criança,

 

Há uma criança com fome

Uma criança que tem nome

Uma criança em lágrimas

Uma criança…

 

Há uma criança que não se importa

Não se importa com as flores do meu jardim

Ou com as estrelas que lhe morrem na mão,

 

Porque enquanto uma criança tem fome

Quero que se fodam as flores do meu jardim…

Ou as estrelas que morrem nas mãos de uma criança.

 

 

Alijó, 05/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Os cheiros e as sombras e os sons do Mussulo…

 Encostou a mão na minha face

Deu-me um beijo

E enquanto me olhava

Escondeu-se no capim,

 

Foi assim que a melhor amiga da minha infância de Luanda

Se despediu de mim,

 

Eu e a Fátima brincávamos

E inventávamos coisas

Coisas que apenas as crianças entendem,

´

E tal como ela habita dentro do álbum fotográfico do meu pai

Também eu provavelmente ainda brinco no álbum dos pais dela,

 

Provavelmente a Fátima tem filhos

Tem netos

(ao contrário de mim)

Provavelmente ainda se recordará do menino dos calções

Tal como eu me recordo dela

E quem sabe

Um dia

Numa qualquer rua do Planeta Terra

Encontraremos as sombras e os cheiros e os sons do Mussulo,

 

Porque as pessoas morrem

Mas os cheiros e as sombras e os sons do Mussulo…

Nunca morrerão.

 

 

 

 

 

Alijó, 04/01/2023

Francisco Luís Fontinha