quarta-feira, 23 de novembro de 2022

O meu nome

 Deram-me um nome

(Francisco)

E podiam ter-me apelidado

De flor

Sol

De Lua

Ou até de lanterna

Deram-me um nome

 

E o meu nome até poderia ser de Luanda

Podia ser cacimbo ou sanzala

Capim

Mutamba

Podia ser apelidado de tudo

Mangueira ou papagaio em papel

Triciclo

Ou menino dos calções

 

Baía de Luanda

Mussulo (adoraria ser apelidado de Mussulo)

Podiam chamar-me de barco

De coqueiro

Deram-me um nome

Um nome

Um simples nome

E os meus pais até me podiam registar de menino dos sonhos

 

Amigo do chapelhudo

Deram-me um nome

(Francisco)

E o (Francisco)

Nascido em Luanda

Num belo Domingo de sol

Às sete e trinta horas da manhã

Num mês de Janeiro

(portanto sou aquariano, gajo complicado, gajo dos sonhos)

E fui baptizado

E tanto azar tive

Que me baptizaram no dia de Natal

 

Deram-me um nome

O meu nome

(Francisco)

Os meus pais podiam ter-me apelidado

De machimbombo

 

Mas não

Tinham de me apelidar de (Francisco)

 

Deram-me um nome

Mais fácil seria se me dessem um número

Como no serviço militar

Ou como o número de polícia das nossas habitações

 

Mas não

Tinha de ser (Francisco)

 

E de (Francisco)

Em (Francisco)

Vou andando

Umas vezes por aqui

Outras

Outras por aí

 

Até me podiam chamar de Baleizão…

Mas de (Francisco)

Não

(Francisco) não.

 

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

(Francisco)

Pequeno livro

 Este livro

Dentro de mim

Este livro que cresce

E morre

Este livro

Que grita

Sorri

Este livro em revolta

Das palavras

Porque este livro

Que habita no meu peito

Dentro de mim,

 

É o meu livro

É a minha noite,

 

Este livro

Que sorri

Para ti

Quando a manhã

Se despede das estrelas,

 

E quando ele morrer

O meu livro

Irei visitá-lo todas as noites

Em todos os dias

Porque este livro

Vadio

O meu pequeno livro

Tem poesias

Tem desenhos de ti

E tem o teu sorriso

Quando os teus olhos me olham

E a cidade dorme,

 

E a cidade

Habita-me

Como este livro

Dentro de mim

Numa casa desabitada

Triste

Cansada

E este livro um dia será a tua madrugada.

 

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

O tempo perdido

 

Poderia ser

Não ser este tempo perdido

Poderia ser

O ser prometido

Ser ou deixar de ser

Quando o corpo deixa de comer

Quando a boca se suspende nas palavras de escrever

E se eu não o ser

Porque poderia ser

Ser o viver

Sem o saber

Antes de morrer.

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

Pedacinho de terra

 

Dêem-me asas que eu voo

Dêem-me um pedacinho de terra

Que eu construo o mais belo jardim

Deste amigo poema

Cansado de mim.

 

Dêem-me a lua

Para pintar nos seus olhos

Os cortinados da manhã

Quando o mar se despede

Quando o mar morre na minha mão.

 

Dêem-me o silêncio das árvores embriagadas

E nelas

Posso desenhar os pássaros e todas as madrugadas

Dêem-me a voz

Para bem alto gritar.

 

Dêem-me a morte

A má sorte

Dêem-me essa canção de revolta

Para eu subir à montanha mais alta

E sentar-me enquanto te olho.

 

Dêem-me as pedras e as ribeiras

Os livros e as amarras da solidão

Dêem-me tudo e não me dêem nada

Mas não me tirem as palavras

Que escrevo na madrugada.

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

O poeta enforcado

 

Sou o comandante deste transatlântico sem nome

Pobre no sono

Rico em fome,

 

Sou um velho comandante

Que traz na algibeira

O pão das bocas esfomeadas

Um velho comandante

Na lágrima das palavras,

 

Na lágrima das palavras

Estes versos em loucura

Oiço um comboio em finos apitos

Enquanto o mar cava a minha sepultura

Da terra em grosseiros gritos,

 

E nas pobres minhas madrugadas

Rompem sobre mim as flores em papel queimado

E é neste jardim silenciado

Que observo o poeta enforcado,

 

Fartou-se da vida

Das árvores coloridas

Fartou-se da poesia

E do começo de um novo dia,

 

Fartou-se de mim

Este poeta enforcado

E eu o velho comandante

Deste transatlântico desgovernado

Fico em frente ao mar; só e sentado.

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

Uma espada com fome

 

Há uma espada que dorme no meu peito

Uma espada de luz

Que se ergue em cada madrugada

Há uma espada em silêncio

Há uma espada que chora.

 

Há uma espada que me corta

Em pequenas fatias de solidão

Uma espada espetada no coração

Há uma espada de luz

Que inventa no meu olhar as palavras dos teus lábios.

 

Há uma espada poisada na minha janela

Que traz todas as cores do Universo

Uma espada em verso

Há uma espada

E uma espingarda que dormem no meu peito.

 

Há uma espada dentro de mim

Que me odeia

Que me odeia enquanto sorri a lua

Há uma espada silenciada

Uma espada fria e nua.

 

Uma espada em flor

Que transporta uma espada sem nome

Há uma espada com dor

Uma espada com fome

Há uma espada que dorme no meu peito.

 

 

 

Alijó, 23/11/2022

Francisco

terça-feira, 22 de novembro de 2022

As palavras do mar

 Em círculos

Que deixo de existir

Das pobres janelas em teu doce olhar

Pequenos quadrados

Lábios que desejam o mar

Entre a planície e a triste paisagem da paixão

 

E se o amanhã não acordar

Tal como as minhas palavras

Se morrerem de enfarte

Na tua sanzala de amar

O corpo que voa

Enquanto em círculos

Deixo

Deixo de existir e apago na minha mão

O desgraçado fogo da insónia

Porque o beijo em círculos

 

Senta-se junto ao rio

Um rasto de sémen nas pedras parideiras

No uísque poema da loucura

E sejamos justos

Sejamos honestos

Este dia em círculos

Os homens embrulhados no sono

Há uma cama em desejo

Das sereias em cetim

A minha boca morde o poema

 

Abandono a enxada que ama a vinha doirada

Da tua alma camuflada

Dos incêndios às lágrimas

São sombras

São flores

 

São a espingarda em abençoado cansaço

Longe de ti

Dos teus olhos minerados

E sinto a tua mão

Que arde no meu rosto

O medo

A fome que poisas no meu peito

Em cigarros assassinos

Em cadeiras ao vime sonhar

E um pobre defunto deseja o mar

 

E o mar que ama

Chora

E dorme estátua de cera

Em círculos

 

 

E deito fora as minhas mãos

E abandono este altar de talha cansada

Onde habito e rezo

Depois chamo pela madrugada

E recebo os teus lábios

Em círculos

Em desejo menina cantar

As canções do supremo olhar

São palavras meu Deus

São as palavras do mar.

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco