sábado, 19 de novembro de 2022

Clitóris da insónia

 O oiro dos teus olhos

Em cada palavra escrita

Em direcção às alegres nortadas

Dos pobres jardins de prata

Termina o corpo

Nas tuas mãos incendiadas pelo clitóris da insónia

Perco-me neste livro

Que escrevi

Escrevo

E queimo mesta fogueira de medo

A cidade morre-me

A cidade cansa-se da minha sombra

E encontro os círculos do desejo

Nos teus lábios de silêncio

E sei que as minhas cartas são poeira

Sombra destes pobres ossos

À janela da água salgada que alimentam o teu cabelo

E dizem-me que amanhã

As árvores pertencerão às dízimas lâminas deste corpo em combustão

Como toneladas de sucata na lareira da paixão.

 

 

 

 

 

Alijó, 19/11/2022

Francisco Luís Fontinha

A paixão das espadas

 Oiço do vento que me abraça

A voz rouca das estrelas mortas,

 

Cruzo os braços,

Incendeio os teus lábios com beijos

Quando sei que do teu olhar

Uma canção se despede de mim,

E deste grito, a paixão das espadas que o sono traz da montanha,

 

Bebo o veneno das palavras que me alimentam,

Bebo a espuma que transborda do mar,

E fico inerte, e fico doente,

E dou-me conta que a morte é apenas um retracto,

 

Bebo da tua boca

A sapiente canção que deixei sobre a mesinha-de-cabeceira,

E a corda com que ato este embrulho, esconde-se na minha mão,

Como se escondem os muros em xisto

Destes socalcos em flor,

 

Ai meu amigo…

Onde estão os nossos barcos

Que habitavam nas serpentes da insónia,

 

E não sabiam o nosso nome.

 

 

 

 

Alijó, 19/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Mar revolto

 Hei-de regressar deste mar revolto

Onde choram as minhas acácias

Hei-de regressar desta sombra

À terra camuflada dos dias sem madrugada

Depois, morrerei nos teus braços.

 

Morrerei nos teus braços invisíveis

Em pedaços de papel envergonhado

Quando a noite se entranha nos teus ossos

E sei que choras

Sobre a cadeira onde me sento.

 

E desta caneta

Onde a minha mão esconde a saudade

Encosto-me à tua lápide de sono

Como um navio em busca da montanha

Onde um rio curvilíneo morre de paixão.

 

Hei-de regressar aos teus ossos

Do pó que mergulha sobre as sanzalas de prata

Com um fio de nylon suspenso ao pescoço

Onde a luz se esconde

E o sol tem vergonha de mim.

 

O meu caixão será uma simples caixa de sapatos

Cartão reciclado das árvores em ruína

Dos mistérios da minha fé

E nas minhas lágrimas

O meu corpo; deste mar revolto.

 

 

 

 

Alijó, 19/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Máscara

 Há-de chegar a tua máscara

Com o nome do meu corpo

Há-de chegar à tua boca

A minha máscara

Com o meu nome.

 

Há-de chegar

à minha boca

Os meus lábios

As minhas palavras

Há-de chegar o Inverno.

 

Há-de chegar o poema

Um corpo vestido de poema

Em poema

O teu corpo silenciado pela minha boca

Sem espaço o vento que te ergue atá à lua.

 

Há-de chegar ao meu corpo

O teu poema

Do meu corpo

Há-de chegar

O suicídio das palavras em poema.

 

Há-de chegar a tua máscara

Com o meu nome

No meu corpo

A abelha que transportas na mão

Há-de chegar a chuva.

 

 

 

 

 

Alijó, 18/11/2022

Francisco Luís Fontinha

O desejo

 Não desejo este pobre silêncio

Que me inventa

Este desejo que desejo

O triste silêncio do desejo

Este meu pobre silêncio

 

Este meu pobre desejo

Este desejo

Entre pequenos e grandes desejos

Esquecido no desejo

Os barcos do desejo

 

Do pobre silêncio

E às vezes esqueço-me do desejo

No meu triste desejo

Os meus barcos

Barcos em desejo

 

As mulheres em desejo

Os meus desejos

No desejo

Nos dardos do desejo

Sem nome este meu pobre desejo

 

O desejo que me deseja

Este silêncio

Este desejo

Quando acorda em ti

O meu pequeno desejo.

 

 

 

 

Alijó, 18/11/2022

Francisco Luís Fontinha

Uma mão mergulhada no fogo

 Este corpo que me transporta

O meu corpo

Um corpo que se esqueceu do nome

Um corpo com duzentos e seis ossos

Uma mão mergulhada no fogo

 

Uma bola de fogo

Este corpo

O meu corpo

O teu corpo

Um corpo onde habitam homens

 

Um corpo onde habitam mulheres

Crianças

E ossos

O meu corpo

Uma pequena bola de fogo

 

Que incendeia

Que se move

Tem massa

Paixão

Ama

 

Um corpo envenenado

Um corpo apaixonado

Em grito

No grito

Deste corpo

 

Um pedaço de aço

Um corpo que voa

Que chora

Que dorme

Um corpo que corre

 

O meu corpo

Uma pequena bola de fogo

Um corpo que vive no sol

Brinca na lua

O meu corpo entre corpos

 

Um corpo só

Um corpo sem amigos

Um corpo entre corpos

Um corpo

Este corpo que detesta o meu corpo

 

O corpo em fogo

Dentro do fogo

Na tua boca

O meu corpo

Onde escrevo

 

O meu corpo

Um corpo sem sentido

Na tua sombra

Entre corpos

Deste corpo

 

O meu triste corpo

Dentro do teu corpo

Onde bebo

Onde fumo

O teu meu corpo.

 

 

 

 

Alijó, 18/11/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Pulseira de insónia em raio de luz

 Sou a luz cansada do teu cabelo

Em protesto contra as árvores do teu sorriso

Sou a palavra em revolta

Quando as flores que brincam nas tuas mãos

São as pequenas nuvens do luar.

 

Não

Não desejo ser o mar

Não

Não desejo ser a chuva que desce no teu corpo

Mas quero ser o perfume

 

Que habita no teu peito.

Pulseira de insónia em raio de luz

Silêncio que desce esta triste calçada

E nos poemas que semeio

Acorda a madrugada.

 

A madrugada de ninguém

Apátrida deste rio encurvado

Que nas enxadas da solidão

Faz levantar os doces socalcos dos teus lábios

E traz os pássaros ensonados às manhãs de geada.

 

Sou a luz

Grinalda em teu cabelo que dança no vento

Insónia que invento

Nas noites embriagadas do teu olhar;

Mas não me deixem ser o mar.

 

 

 

 

Alijó, 17/11/2022

Francisco Luís Fontinha