As cerejas serão sempre
cerejas na tua boca.
Os lábios das cerejas, na
tua boca, teus lábios, serão sempre o nascer do sol.
Das palavras, às cerejas,
há sempre um poema envenenado,
Uma canção de espuma,
Na mão sardenta de um
condenado.
Há sempre um drogado,
Entre poemas e textos de
escrever,
As cerejas, quando doces,
são frutos de querer,
São melodias do narciso,
Voando em direcção ao
mar.
Depois, no final da
tarde, todas as palavras se suicidam,
Dormem na boca das
cerejas,
Depois, o beijo, das
cerejas,
Parecendo o acordar dos
pássaros embainhados pelo sono da Primavera.
Tenho em mim, na minha
mão, as cerejas de beijar,
Tenho na minha boca as
cerejas do desejo,
Quando no oceano todas as
cerejas, entre palavras, se agitam como moças parvas,
Cidades entre esquinas,
Luzes de caminhar de
encontro às esplanadas de brincar e,
As outras cerejas,
As cerejas de acariciar,
Pintam na clarabóia da
insónia,
As planícies de amar.
Amam-se as cerejas.
Brotam da terra as
cerejas mortas,
Caducas,
Velhas,
Onde alguém desenha hortas,
Árvores em papel… e,
Janelas abertas.
As cerejas, meu amor,
São o silêncio da bruma,
São barcaças,
São pingos de espuma;
Um telegrama,
Que não me grama,
Coça os tomates,
Puxa de um cigarro
invisível,
Lê na tua mão, meu amor,
Que todos os restaurantes
faliram,
Morreram de sono,
Pumba.
Fim.
Incrível,
As aldeias de xisto,
Cansadas,
Cansadas de tudo e de
nada,
Visto.
Está visto.
Porta cerrada,
Número de polícia
trocado,
O velho,
O farrapo,
O vagabundo.
Atravesso a calçada,
Limito-me a observar,
Os pombos que cagam,
Os homens que cagam nos
pombos e,
Meu amor, as cerejas que
esqueci na tua boca.
Alimento-me.
Sou um sem-abrigo com
ordem de recolher;
Mas nunca, nunca serei um
homem de obedecer.
Ponto.
Vivam as cerejas,
Porque de tão belas,
São doces,
São mulheres,
São donzelas.
E as abelhas?
Que se fodam as abelhas.
E as cerejas de comer.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 09/11/2020